✍️ Daddo Moreira
📅 15/04/2020
🕚 18h27
📷 Capa: Bonde em Copacabana – Imagem: Brasiliana Fotográfica
───── INÍCIO DA PUBLICIDADE
───── FIM DA PUBLICIDADE
Até a segunda metade do século XIX, o bairro de Copacabana era um local habitado e frequentado apenas por pescadores, caçadores, aventureiros e, a partir da década de 1870, por funcionários responsáveis pela instalação e manutenção do cabo telegráfico de comunicação entre o Brasil e a Europa. Essa foi mais uma obra de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, que recebeu o título de Visconde na ocasião da inauguração do cabo submarino: 22 de junho de 1874.
Até então, a localidade de Copacabana era pouco frequentada e habitada, com acesso bastante difícil. Para se chegar ao bairro vindo do Centro da Côrte havia apenas três opções: a atual Ladeira do Leme, praticamente uma trilha sobre o morro; o caminho carroçável de Villa Rica, na atual Ladeira dos Tabajaras, acesso igualmente complicado pelo relevo; e pelo Arpoador, tendo que navegar ou contornar o Morro dos Cabritos e a Lagoa Rodrigo de Freitas, ainda sem os aterros, até chegar ao atual Posto 6 por uma picada no meio da mata.
Em determinada ocasião, correu a notícia, verdadeira ou não, de que algumas baleias teriam encalhado nos mares de Sacopenapan (toda a região entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e Copacabana se chamava assim). Foi organizada uma verdadeira expedição, inclusive com o Imperador Dom Pedro II, para ver o evento. Os participantes ficaram no local três dias e três noites, em volta de conversas e piqueniques, encantados com a beleza da região.
Era óbvio que o local era bastante atrativo e que eram necessários meios de se chegar com mais facilidade. Com o desenvolvimento iminente do bairro e cada vez mais pessoas frequentando a região, começaram a se estudar linhas de bonde para permitir a ligação de Copacabana ao Centro da Capital. A primeira iniciativa ocorreu em 1874, quando foi concedido o direito de estender uma linha até Copacabana ao Conde de Lages e Francisco Teixeira de Magalhães. O percurso sairia da Rua dos Ourives esquina com a Rua do Ouvidor até a Rua São José e seguiria ao seu destino, incluindo a construção de dois ou três túneis. Em Copacabana, os concessionários deveriam construir um estabelecimento balneário, uma escola de ensino primário e secundário, um jardim zoológico e um hospital destinado à Santa Casa de Misericórdia. Entretanto, e afoitamente, a empresa contratada para as obras (Empresa Copacabana) começou a assentar os trilhos, desrespeitando o privilégio da “Botanical Garden Rail Road Co.”. A mesma entrou com uma ação judicial, mas de nada adiantou. A “Empresa Copacabana” continuou com as obras, chegando ao ponto de ser necessário auxílio policial em altas horas da noite para a execução, com obras assentando e cruzando os trilhos com as da “Botanical Garden” nos arredores da Glória. Mas todo o ímpeto fez-se inútil, as obras foram interrompidas por falta de recursos, caducando a concessão em 1880.
Em 1884, o governo recebeu proposta de José Joaquim de Carvalho Bastos para a construção de uma linha que alcançasse as Praias da Saudade (extinta) e de Copacabana. Entretanto, pouco depois, houve a desistência desse projeto. Dois anos depois, surgiu a proposta de se estender uma ferrovia partindo do fim das linhas da Cia. Jardim Botânico, em Botafogo, passando por Copacabana, pelo litoral até alcançar Angra dos Reis. Tal projeto anularia qualquer proposta de se alcançar a localidade através dos bondes. Após um período conflituoso entre as intenções de se construir uma ferrovia e uma linha de bondes (que, na prática, também é ferrovia), a própria Cia. Jardim Botânico sugeriu a construção de uma ferrovia que transferisse os corpos sepultados no cemitério São João Batista para outro a ser instalado em Jacarepaguá, afrontando a proposta de ferrovia para Angra e oferecendo diversas vantagens ao governo. A tática deu certo, pois o governo não se manifestou mais a respeito da ferrovia para Angra dos Reis, e o projeto da linha férrea para transferência dos mortos do cemitério foi aos poucos esquecida e definitivamente abandonada.
A intenção dos bondes em chegar a Copacabana persistia e se fazia urgente e necessária. Em 1890, foi assinado um termo obrigando a Cia. Jardim Botânico começa a construir suas linhas até o bairro, chegando até Copacabana através de um túnel a partir de Botafogo. Contudo, não havia operários suficientes para essa empreitada, e para piorar, houve um surto de febre-amarela e varíola que afetou os poucos trabalhadores já presentes, paralisando as obras completamente várias vezes, obrigando a companhia a pedir a prorrogação do prazo. Em março de 1892, prestes a expirar o prazo pedido, o trabalho parou. A empresa que realizava a construção simulou uma grande obra e pediu um vultuoso pagamento, pelo que não foi feito. O pagamento foi impugnado. Se os trabalhos de acesso ao bairro parassem, o contrato seria reincidido. E assim aconteceu. Todavia, José de Cupertino Coelho Cintra, diretor da cia. Jardim Botânico resolveu assumir todas as despesas e responsabilidades e reiniciou o trabalho com afinco, assumindo o comando de novos operários. Em 7 de abril, abundantes chuvas fizeram cair uma barreira na Rua Real Grandeza, facilitando os trabalhos por levar grande quantidade de barro descendo essa rua, e diminuindo a extensão do túnel em aproximadamente 10 metros. Enquanto as obras continuavam, os trilhos chegavam à Rua Real Grandeza, ao lado do cemitério São João Batista. Ostentavam a tabuleta “Copacabana — Real Grandeza” o que provocava seguidas perguntas “O bonde já chega a Copacabana?” e a seguinte resposta do condutor “Sim, Copacabana do lado de cá”.
Enfim, em 15 de março de 1892, o primeiro bonde chegou a Copacabana! Apesar de já haver trilhos assentados “do lado de lá”, o bonde 22 (o mesmo que inaugurou o serviço até a Praia Vermelha) chegou carregado no braço de seus operários! Os truques e rodas foram levados com antecedência para Copacabana, onde já existia a linha parcialmente pronta, mas no túnel não havia trilhos! Quando o primeiro bonde, sem rodas, chegou a Copacabana, os funcionários do Cabo Submarino (Western Telegraph Co.) e os poucos moradores locais soltaram foguetes até não poder mais, tornando o evento uma grande folia. Assim chegou o primeiro bonde a Copacabana, sem burros e sem rodas, literalmente “no braço”.
Em 6 de julho de 1892 as obras foram concluídas e às 13h desse dia dez bondes partiram da Rua Gonçalves Dias, no Centro, indo nos mesmos a Banda de música dos marinheiros nacionais, o Vice-presidente da república acompanhado do seu estado-maior, o presidente do senado, da intendência municipal, ministros da marinha, da guerra e do interior e a diretoria da companhia, além de convidados. Atravessaram o túnel de 180 metros iluminado com luz elétrica e enfeitados com arbustos. Às 14h30 chegaram na estação na esquina da Rua Siqueira Campos com a Av. Nossa Senhora de Copacabana, na época ainda caminhos arenosos. Essa estação marcava o ponto inicial para os bondes em direção à “Igrejinha” (atual Forte de Copacabana) e ao Leme. Foi lavrada uma ata de fundação do bairro, tendo o original dessa ata encerrado em uma caixa de ferro e enterrada no local onde existia a estação.
E assim, com a chegada dos bondes, mesmo que sem burros e carregado nos braços, o bairro de Copacabana nasceu de fato. O progresso chegando através dos trilhos, como de costume.
Dezoito anos para executar um trajeto de aproximadamente 10 km.
Como o túnel é uma “obra de arte especial”, a parte mais complexa e trabalhosa desse projeto, suponhamos que a escavação de seus 180 e poucos metros consumisse 8 anos a este misto de incapazes (no mínimo, apesar dessa história ter partes que causam estranheza), que se acumulavam na administração pública juntamente com seus “clientes”, empreiteiros picaretas: sobrariam ainda 10 anos.
Significaria que o andamento desse projeto, em média foi de 1 quilômetro por ano.
Realmente o país tem uma tradição, um passado que “explica” seus enormes avanços….