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✍️ Mozart Rosa e Daddo Moreira
📅 25/09/2020
🕚 12h00
📷 Daddo Moreira, 2012




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Antes de darmos prosseguimento a essa série falando sobre projetos equivocados ou inadequados, cabe fazermos uma introdução, com algumas informações importantes: nós da Trilhos do Rio não temos a pretensão de vitimizar, inocentar ou justificar ações de nenhum político envolvido em projetos fracassados da área de mobilidade. Seja esse fracasso oriundo do desvio de verba, incompetência na elaboração ou na conclusão do projeto.

 

Não existem santos na política

 

O que pretendemos é trazer para os holofotes todos os responsáveis que participaram e apoiaram tais projetos e muitas vezes os idealizaram. Além disso, estes mesmos profissionais muitas vezes tiveram responsabilidade considerável pelo fracasso dos projetos. Artigos anteriores dessa série têm mostrado isso.

Passagem de Nível em Macaé, com sinalização deficiente e praticamente inexistente, às vésperas da improvável inauguração do Metrô na cidade. Foto: Daddo Moreira

 

Quem não sabe como as coisas funcionam dentro do serviço público não sabe que existe toda uma estrutura de apoio, formada por técnicos pretensamente qualificados, que possibilita que as coisas aconteçam. Mas quando as coisas dão errado e o nome do político envolvido fica na berlinda, essa turma coparticipe do equívoco desaparece.

Projetos não surgem a partir de uma cartinha para o Papai Noel, eles precisam que técnicos os elaborem, mesmo que a pedido de um político despreparado. E como normalmente as pessoas usam a própria régua para medir os outros, a tendência é que esse político se cerque de gente despreparada como ele.

Visão geral do trecho de operação planejado para o Metrô de Macaé Traçado feito por Daddo Moreira baseado no Google Earth

 

Existe aí outro lado da questão a ser abordado: prefeituras pequenas não costumam ter um corpo técnico qualificado para o setor de mobilidade. Não se encontram pessoas assim caindo em árvores, daí os prefeitos procuram auxílio externo e é aí que mora o perigo. O Governo Estadual, como já visto, não tem ou tem pouca gente qualificada no setor, e usa o serviço de consultorias. E então as coisas que não deveriam ocorrer começam a acontecer. Existem técnicos capacitados? Sim, mas infelizmente diversos fatores levam à contratação de equipes que por vezes acabam desvirtuando a realidade.

Leiam e entendam.

Seguimos dando continuidade aos textos anteriores que já mostraram bastante como as coisas funcionam.

Foto feita da subida do Morro de Sant’Anna com a vista da estação ferroviária de Macaé e o VLT estacionado junto à plataforma. Foto: Daddo Moreira, 2012

 

O que aconteceu?

Para entender o que houve primeiro contaremos uma história: a Estrada de Ferro Sorocabana (em São Paulo) possuía uma linha que adentrava ao município de Santos cortando-o pela metade construída no início do século. Na década de 60 a Sorocabana resolve construir um novo acesso ao Porto de Santos que deixou essa linha sem uso. Por volta de 2012 a EMTU, empresa estatal paulista responsável por projetos de mobilidade correspondente à nossa Central Logística (pelo menos na função, não nos atos) resolve construir um VLT usando esse traçado.

Para isso:

  • Foi feito um estudo de demanda;
  • Um estudo da forma de bilhetagem;
  • Um estudo para reforma e reuso de estações, bem como de construção de novas estações;
  • Um ETVE – Estudo de viabilidade técnico econômica;
  • Um projeto conceitual;
  • Um projeto executivo;
  • Um plano viário para definir como ficariam as interações físicas dos veículos e do VLT, que no caso de Santos ficou a cargo da prefeitura;
  • Desenvolvimento de manuais de operação, para treinamento de equipes de operação, de bilhetagem e de manutenção.
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VLT de Santos. Foto: Daddo Moreira, 2018

 

Foi feito um enorme projeto dividido em 3 partes beneficiando além de Santos outros municípios da Baixada Santista. O resultado foi a implantação de um sistema funcional cuja fase 1 já implantada, transporta hoje em torno de 90.000 passageiros por dia, e cuja fase 2 não se iniciou em 2018 em função da lei eleitoral que impediu o início das obras na gestão do governador Geraldo Alckmin. O atual governador João Doria, alegando questões orçamentárias, ainda não liberou recursos para início das obras. Mas o projeto já está pronto, o sistema atualmente concluído e em uso é extremamente funcional, atendendo muito bem à população local.

VLT de Santos Foto: Daddo Moreira, 2018

 

O VLT de Santos tem uma operação diferenciada do VLT Carioca: enquanto o nosso tem baixa velocidade média e seu objetivo é integrar modais, atendendo pequenos deslocamentos pelo centro da cidade; em Santos o VLT funciona como transporte de massa, tendo inclusive veículos maiores que os do VLT Carioca.

 

Um não é melhor que o outro, são propostas diferentes

 

E o que aconteceu em Macaé? Nada! O Metrô de Macaé se resumiu a compra de 2 VLTs a Diesel da empresa Bom Sinal e que nunca operaram. (Nada contra a Bom Sinal: eram equipamentos de qualidade que poderiam bem servir a cidade). Não foi feito mais nada, bem diferente do que foi feito em Santos-SP, perceberam? Demanda, ETVE, Projeto executivo, termos de referência… NADA. Tudo se limitou a testes de linha em poucas vezes em que um dos veículos circulou.

Outdoor próximo à estação ferroviária de Macaé. Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Quem gerenciou esse projeto por contrato com a prefeitura de Macaé, que na ocasião não tinha corpo técnico qualificado para a tarefa, foi a CENTRAL Logística. A empresa estadual de planejamento logístico que o atual governo manteve em seu portfólio de empresas sem depurar os seus quadros, quadros esses compostos de egressos da RFFSA ou CBTU. Talvez isso explique muita coisa: do grupo egresso da RFFSA aqueles com visão empresarial foram aproveitados pelo mercado e muitos estão aí até hoje, alguns com cargos elevados em empresas do setor ferroviário. Os outros, sem uma visão nesse sentido, estão ainda ativos no serviço público, fazendo coisas como o Metrô de Macaé.

Cruzamento de várias vias rodoviárias com a ferrovia, no local conhecido por Cancela Preta. Intervenções profundas eram necessárias nesse trecho para aumentar a segurança, mas nada foi feito até hoje. Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Até que ponto o prefeito teve responsabilidade nisso, não sabemos, mas foi aparentemente ludibriado em algum sentido. Em Macaé, junto à população local, as versões para o fracasso são diversas. Cada um tem a sua, mas objetivamente ninguém conhece a real história. Basta procurar os documentos citados por nós, que nenhum será encontrado.

Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Entretanto, a maioria das informações acima pode ser corroborada pelos próprios moradores de Macaé.

  • Alguém na ocasião viu alguma obra na linha?
  • Alguém na ocasião viu alguma obra em alguma estação?
  • Alguém na ocasião soube de algum processo de contratação e de treinamento de funcionários?

Já postamos aqui. Ferrovia não é assunto para amadores, e é lamentavelmente o que mais tem, querendo participar do setor!

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Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Segue abaixo uma pequena narrativa de Daddo Moreira, antigo presidente, e hoje coordenador-geral, Trilhos do Rio, durante o período de “pré-inauguração” do projeto que, como todos sabem, acabou não ocorrendo:

 

Durante vários meses entre 2010 e 2013, estive pela região Norte-Fluminense do estado do Rio de Janeiro visitando familiares e também participando de cursos voltados à área Offshore. Como a maioria da minha família paterna reside na cidade de Quissamã, Macaé e Carapebus eram sempre locais de passagem ou baldeação nas minhas viagens. E assim fiquei bastante empolgado quando soube do projeto “Metrô de Macaé”, com o uso de VLTs de fabricação nacional, que são eficientes e inclusive utilizados em algumas cidades do Nordeste.

 

VLT na estação Ribeira em Natal-RN Foto: Wikipedia

 

Cada vez que eu me deslocava da capital do estado para Macaé ou Quissamã eu aproveitava para passar pela estação e registrar detalhes, tanto da via como da estação e, posteriormente, dos veículos estacionados. Admirava a pintura e a própria construção do veículo, robusto e aparentemente bem-feito. Só que o tempo foi passando, passando e era só isso que eu via de diferente na cidade. As Passagens de Nível (PNs) continuavam mal sinalizadas e malconservadas, a via estava mantida apenas no sentido de mato removido e alguns dormentes renovados, nenhuma estação construída e a própria estação de Macaé não sendo preparada para receber passageiros e o tráfego de veículos, a estrutura necessária estava totalmente deficiente, ou seja, não existia!

 

PN em Macaé Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Eu estava muito desconfiado de tudo, mas via a todo momento promessas e mais promessas de que o projeto estava a todo vapor. Deram uma data para inauguração: 29 de julho de 2012. Aguardei ansiosamente pela data e, na semana anterior, decidi telefonar para algum órgão da prefeitura a fim de obter informações, antes de eu comprar a passagem de ônibus no dia marcado para a inauguração. Me foi informado que nada aconteceria, o projeto havia sido interrompido.

O que aconteceu?

Por que nada ocorreu?

Quem foi o (ir)responsável por isso?

 

Foto: Daddo Moreira, 2012

 

A meu ver, a elaboração do projeto foi totalmente equivocada. Errada mesmo. Foram comprados dois veículos, duas composições, mas não foi pensado nem feito nada em relação à linha, aos trilhos, a toda estrutura para receber os veículos, para que eles operassem. Pior que isso seria comprar os VLTs e não ter sequer trilhos. O prefeito adotou uma ideia de maneira errada, procurou especialistas (palavra hoje vista de maneira pejorativa) que pouco ou nada fizeram de correto, confiou o projeto às pessoas erradas e não procurou uma solução para o problema, preferindo deixar que o próximo administrador resolvesse. Um prejuízo e transtorno para a coletividade.

Mais ou menos no mesmo período o sistema de transporte coletivo (por ônibus) foi racionalizado e unificado na cidade, com redução da tarifa, sendo esta subsidiada pela prefeitura.

Por que isso não foi feito em relação ao sistema sobre trilhos?

 

Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Por que o empresariado não foi procurado para operar os VLTs? Por que no Plano Logístico do município ficou acertado que os transportes sobre trilhos seriam operados e administrados exclusivamente pelo poder público?

Não defendo cegamente os empresários, apesar de saber que é bem difícil administrar uma empresa no país. Mas sei também que, assim como a classe política, tem muita coisa errada e pessoas indignas no meio empresarial, onde obviamente o objetivo principal é o lucro, já que é o objetivo, razão de ser e a sobrevivência deles. Mas às vezes este lucro é buscado a qualquer custo. Entretanto, com o poder público falido quase que como um lugar-comum no Brasil, por que não tentar essa opção ao invés de depender apenas do Governo?

Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Hoje todas as vezes que passo pelas rodovias que ligam a região metropolitana à região Norte-Fluminense vendo os trilhos abandonados, silenciosos e inoperantes ao lado do asfalto, fico sem entender a visão (ou a falta de visão) em relação a isso.

 

Update de Última Hora do autor do texto

O projeto do Metro de Macaé, podemos considerar uma das maiores lambanças feitas no estado do Rio de Janeiro quando o assunto é mobilidade, temos muito mais informação sobre esse assunto, mas achamos por bem não as divulgá-las, pois isso implicaria em divulgar o nome do idealizador de tudo isso, o que fazendo uma correção com a medicina seria “o paciente zero”, quem deu a ideia, fez tudo para viabilizá-la, mas que desconhecendo os aspectos empresariais e técnicos para implantação de um projeto como esse fez com que tudo desandasse.

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Mas se fosse só isso, o que já é muito, já seria um absurdo em si, mas estamos falando de Brasil, onde a turma se supera, e sim quando falamos do Metrô de Macaé, o céu é o limite em termos de lambança. Vejam abaixo o trecho do programa conversa paralela da plataforma Brasil Paralelo, onde dois engenheiros falam de como alguns projetos n Brasil são executados.

Em nenhum momento, por mais que procurássemos, nada encontramos sobre esse projeto do Metro de Macaé, fazendo-nos crer que os veículos tenham sido comprados apenas com PowerPoint, não existindo por mais que procurássemos, nenhum projeto para a implantação do sistema de VLT.

Foto: Daddo Moreira, 2012

 

Os veículos ainda estão estacionados junto a estação de Macaé, sem destino

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Autores

  • Mozart Rosa

    Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966, que testemunhou o desmonte da E.F. Cantagalo e diversas histórias da Ferrovia de Petrópolis. Se formou Engenheiro Mecânico pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral Trilhos do Rio no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de redator do site, assessor de contatos corporativos e diretor-técnico.

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  • Daddo Moreira

    Formado em Arquivologia, pós-graduado em Engenharia Ferroviária, técnico em TI, produtor e editor multimídia, webmaster e webdesigner, pesquisador e historiador informal. Foi presidente e é o atual coordenador-geral Trilhos do Rio.

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