Artigo originalmente escrito em 16 de dezembro de 2019*
Algumas vezes pensamos que estamos sendo perseguidos, vigiados, monitorados… quem nunca teve essa impressão?
Com câmeras espalhadas nas grandes cidades, registros e documentos dos cidadãos sendo controlados, dados pessoais circulando e sendo até negociados entre empresas na internet, não tem como não pensar que a privacidade, a intimidade e a rotina das pessoas está à mostra de todos.
Aliás, com a internet, ferramenta que permite a comunicação e a informação circulando rapidamente através do mundo, a vida privada das pessoas passou a ser algo de difícil reserva. E isso se aplica também a nós, preservacionistas e pesquisadores ferroviários. Parece paranoico, mas explicarei que algo pode estar fazendo todo o sentido. Sim, podemos estar sendo monitorados e tendo nossos interesses sabotados…
───── • ◈ • ─────
1 — Trilhos da EF Rio d’Ouro, linha original, que partia da Quinta do Caju, seguia paralela à Av. Suburbana de Bemfica (com “m” mesmo) até Pilares e depois pela Avenida Automóvel Clube em direção à Baixada Fluminense.
Após as notícias da aparição destes trilhos na pracinha, como se fossem mortos mal enterrados retornando ao mundo dos vivos, começamos a visitar o local para pesquisa, registros e confirmações, e começamos a bolar algum projeto para o local, um dos últimos trechos da EF Rio d’Ouro ainda com trilhos dentro da cidade do Rio de Janeiro. Mas foi só começarmos a debater e divulgar nossas intenções para… os trilhos serem removidos e o local desfigurado! Segundo dizem, alguns dos moradores de rua que frequentavam o local, teriam retirado os trilhos (!!!) para vender o metal (!!!) e, com o dinheiro arrecadado, comprado drogas para consumo próprio (!!!).
Sinceramente, é algo que não dá para entender e acreditar. Mesmo que tenham sido estas pessoas, alguém com mais influência estaria por trás dessa ação.
───── • ◈ • ─────
2 — Estação Henrique Scheid¹ (olha a EF Rio d’Ouro aí de novo!)
Durante pesquisas sobre a linha original da EF Rio d’Ouro, nos deparamos com um mapa misterioso, publicado no Guia Briguiet (em 1910 e 1913), onde estão assinaladas tudo quanto era estação e parada ferroviária. Inclusive poderíamos questionar estes mapas, em relação à sua veracidade, mas isso não vem ao caso agora. Continuando, neste documento estão assinaladas as paradas ferroviárias Henrique Scheid e José dos Reis (veja mais abaixo). Henrique Scheid se localizava aproximadamente na esquina da Avenida Dom Helder Câmara com a Rua Ibiraci, um terreno baldio. Entretanto, pouco tempo após nossas pesquisas indicarem o local como sendo de uma antiga parada ferroviária, o terreno foi ocupado e atualmente funciona uma empresa de venda de piscinas. APÓS DÉCADAS E DÉCADAS, o terreno estando sem uso e abandonado! Coincidência?
¹A Estação Henrique Scheid ainda não teve a sua existência confirmada. Apesar de conhecermos documentos que citam a sua existência e aproximada localização, ela ainda não foi de fato confirmada como tendo existido de fato (poderia ser outro nome de outra estação, erro de grafia ou identificação, etc.).
3 — Estação José dos Reis (EF Rio d’Ouro novamente?)
Assim como a estação Henrique Scheid, acima, esta parece também ter sido dizimada assim que foi citada por nós na internet. Mas aí há uma dúvida: quando começamos a pesquisar sobre o assunto, a localização indicava uma casinha antiga, em um terreno relativamente amplo, como sendo a antiga estação. Outra coisa que indicava isso era uma plaquinha de patrimônio da RFFSA em uma das paredes do prédio. Nosso pesquisador Melekh conversou com um dos moradores, e este confirmou que o prédio teve uso ferroviário. Entretanto, com as pesquisas evoluindo, imagens antigas indicavam que a estação José dos Reis teria sido outro prédio, demolido provavelmente com a urbanização do entorno da Avenida Suburbana. Vejam abaixo:
O fato é que a casinha identificada como patrimônio da ferrovia, sendo ou não a estação de José dos Reis, no mínimo pertenceu ou fez parte de alguma estrutura, ou instituição ferroviária no local. Pouco tempo depois que iniciamos as nossas pesquisas, o imóvel foi vendido (?) e no local funciona atualmente uma instituição de ensino de línguas.
───── • ◈ • ─────
4 — Estação de (Vila de) Cava (Ah, já sei! Também da EF Rio d’Ouro, adivinhei?)
A estação de Cava era um importante entroncamento, onde iniciava o ramal de Tinguá, da EF Rio d’Ouro. Na verdade, os trens que se dirigiam a este ramal partiam de Belford Roxo e seguiam pela mesma linha dos trens do ramal de São Pedro (Jaceruba) até este ponto, onde entravam na linha à direita. Durante uma expedição de reconhecimento e pesquisa do ramal de Tinguá (desativado desde o fim da década de 1960), conhecemos a estação, em raro estilo Missionês simplificado ou californiano, conforme o INEPAC, que tombou o prédio e outras construções adjacentes à estação. O problema é que a estação estava e continua em estado deplorável. Descendentes dos ferroviários que trabalhavam na estação, moram em perigo constante, com o risco da estação desabar a qualquer momento. Aliás, algumas paredes já estavam ruindo na ocasião.
Após a nossa caminhada, onde vimos até despojos da ferrovia como dormentes e antigos pinos de fixação, comunicamos a diversos órgãos de preservação histórica o estado calamitoso em que encontrava-se a estação. Muito barulho foi feito, processos foram iniciados, matérias de jornal foram publicadas e… nada aconteceu. Opa, eu disse “nada” ?
Fui alertado por internautas mediante mensagens que… uma árvore havia caído sobre a estação! Ficamos apreensivos, por diversos motivos! A estação ainda estaria de pé? Haveria feridos? Quais as consequências? Além disso, outra coisa, que direi ao final do parágrafo, nos intrigava. Mas nos apressamos em visitar o local, onde constatamos que não houve perdas pessoais, apenas materiais e de tempo, pois a estação encontrava-se pior que nunca, e nada havia sido feito para evitar. Agora, o que nos intrigou mesmo foi… tanto lugar e direção para a árvore cair e ela cai exatamente sobre a estação??? E justamente quando não havia ninguém “em casa”, certinho, na hora em que não havia testemunhas? Hum…
───── • ◈ • ─────
5 — E.F. Melhoramentos/Linha Auxiliar em Miguel Pereira
Em 2013, fizemos uma das caminhadas mais marcantes da história da AFTR: o trecho de serra da ferrovia entre Miguel Pereira e Arcádia. Belíssimas paisagens, ar puríssimo, clima agradável, trilhos… enfim, um cenário perfeito para uma ferrovia ser reativada, com fins turísticos no mínimo. Seria um sucesso perfeito. Divulgamos os dados coletados durante a expedição, apresentamos propostas e projetos e, como não havíamos concluído o trecho (devido ao horário avançado, saímos do leito ferroviário, no meio da mata fechada, e concluímos o trecho por uma estrada de terra), decidimos voltar para concluir.
Em outubro de 2015, retornamos e… constatamos uma série de atrocidades, como dano ao patrimônio ferroviário, histórico, e ecológico, dentre outros crimes. Poucos dias antes, recebi mensagens vindas de funcionários da prefeitura de Miguel Pereira, interessados na atividade. Passei as informações e marquei local e horário para nos encontrarmos. Das pessoas que entraram em contato, ninguém apareceu. Durante a expedição, pudemos avistar o maquinário responsável pela destruição do leito ferroviário. Entramos com processos e ações na justiça, mas nada foi adiante.
Felizmente, hoje a prefeitura está à frente de um significativo projeto de um trem turístico na cidade, e com a implantação de memoriais ferroviários, inclusive com contribuição Trilhos do Rio.
───── • ◈ • ─────
6 — Vila Inhomirim Em janeiro de 2016, um caminhão danificou supostamente o pontilhão ferroviário sobre a via de acesso rodoviário à Vila Inhomirim. Em fevereiro, a mídia noticiava o abandono e a falta de iniciativa da concessionária em consertar o problema e reativar o trecho, que ficou sem tráfego entre Piabetá e Vila Inhomirim, inclusive uma composição ficou presa nesta última estação, sem poder alcançar o restante do ramal. Várias pessoas entraram em contato conosco, descrevendo o problema e ressaltando o valor absurdo que estavam tendo que pagar ao optar pelo ônibus para chegar aos seus destinos. Agendamos uma data para irmos ao local, fazer uma vistoria, registrar e gravar imagens sobre o problema. Divulgamos nas redes da AFTR aos interessados que quisessem participar da atividade, e surpreendentemente, dois dias antes da data agendada por nós, a concessionária reativa o trecho, sem aparentemente ter feito nenhuma obra significativa.
Coincidência? Paranoia? Complô?
Fiquemos atentos, mais do que sempre. Forças “ocultas” podem estar nos monitorando, vigiando nossos passos. Tirem suas conclusões…
Texto escrito em 16 de dezembro de 2019 às 0h00
Última atualização em 2 de dezembro de 2024 às 22h23
Revisão realizada em 2 de dezembro de 2024 às 22h02
Imagem de capa: trecho depredado da Linha Auxiliar em 2015 – Imagem: Daddo Moreira
O Departamento de Pesquisas e Projetos Trilhos do Rio surgiu como um grupo de amigos, profissionais, entusiastas e pesquisadores ferroviários que organiza, desde o ano de 2009, eventos, atividades e pesquisas, tanto documentais quanto em campo, sobre a história e patrimônio ferroviário do estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de resgatar, preservar e divulgar a história e memória dos transportes sobre trilhos fluminenses.
Entre os anos de 2014 e 2021 fomos formalizados como uma ONG, a Associação Ferroviária Trilhos do Rio, e desde 2024 fazemos parte, como um departamento, da Associação Ferroviária Melhoramentos do Brasil
Classificação média