Receba as novidades Trilhos do Rio!

Tempo de leitura:8 minuto(s), 30 segundo(s)

Loading

­
✍️ Mozart Rosa e Rodrigo Sampaio
📅 01/07/2020
🕚 7h57
📷 Capa: Jornal ZO




───── INÍCIO DA PUBLICIDADE


───── FIM DA PUBLICIDADE




 

O BRT Carioca

O sistema BRT é algo que bem implantado, funciona. Mas não é o que está acontecendo na cidade do Rio de Janeiro. E qual o motivo disso? Um dos responsáveis pelo engodo é, sem dúvida, o ex-prefeito Eduardo Paes, que pegou um bom projeto herdado e iniciado do ex-prefeito Cesar Maia e o executou de forma equivocada.

Fonte: Pinterest / R7

Para entender a extensão do problema em sua plenitude vamos relembrar um dos mais memoráveis personagens esportivos da história do Brasil e uma das situações mais folclóricas do futebol brasileiro: quem se lembra de Garrincha, jogador de pernas tortas, jogador folclórico, que muitas alegrias trouxe a população brasileira? Reza a lenda que ao ouvir a preleção do técnico Vicente Feola a respeito da tática a ser usada para ganharem o jogo, Garrincha, cuja carreira seria marcada por sua irreverência mas também certa indisciplina, escutou tudo isso e depois perguntou: “Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?”

Garrincha em jogo da Seleção Brasileira contra “os russos” da atualmente extinta União Soviética Fonte: Diário do Nordeste

 

Pois é. Como costuma acontecer na administração pública, nada foi combinado com “os russos”. E no caso do BRT Carioca “os russos” seriam os empresários de ônibus que deveriam operar o sistema e que simplesmente não foram consultados nas etapas de desenvolvimento do processo. Aparentemente, o pessoal que elaborou o projeto na ocasião pensava estar criando um novo modal para ser executado em Nárnia com a feiticeira branca dirigindo os veículos, e não na cidade do Rio de Janeiro.

Sistema de BRT em Medelín, na Colômbia. Lá já se estuda a conversão do sistema para metrô. Fonte: Wikipedia

 

E não foi apenas isso, vejamos abaixo mais alguns erros:

Pavimentação das vias

O uso de asfalto na pavimentação das pistas do BRT já mostra que o projeto não teve um planejamento adequado. Veículos muito mais pesados que os habituais provocaram afundamento precoce de vários trechos da via, desnivelando as pistas e provocando acidentes. Esse piso de asfalto não suporta o peso dos ônibus articulados usados no BRT. Existem inclusive relatos na imprensa de acidentes no TransOeste, de ônibus cujas rodas se soltaram e que felizmente não mataram ninguém. Bastante diferente de um sistema de VLT, o mínimo indicado para o trecho, que teria menor custo de manutenção tanto da via quanto do material rodante.

Fonte: Jornal O Globo

 

O VLT de Santos–SP, por ser leve como o nome já indica, nem tem dormentes, sendo a linha fixada diretamente no piso.

 

Compra e venda dos veículos

Uma das formas que o empresário de ônibus do Rio de Janeiro tem de ganhar dinheiro é revendendo seus veículos para empresas menores de outros municípios e também outros estados. Eles cumprem sua vida útil aqui, quando são veículos com boa manutenção executada, e passado o prazo da lei são vendidos, revendidos e rerevendidos. Veículos 0 km comprados por empresas de ônibus do município do Rio de Janeiro chegam a passar por até 5 empresas de ônibus do Brasil posteriormente, quando são então descartados, podendo chegar a funcionar no total por mais de 25 anos. Existe todo um mercado nacional de revenda de ônibus usados, funcionando em função disso. O BRT Carioca acabou com isso ao implantar veículos existentes unicamente no Rio de Janeiro, acabando com a possibilidade de revenda e acabando com a fonte adicional de renda dos empresários do setor, os presenteando com um presente de grego. Para piorar os ônibus do BRT, pelo seu peso e por suas características de uso já citados, tem tido uma vida útil menor que a dos ônibus comuns.

VEJA TAMBÉM  A Polícia Ferroviária Federal e a Legislação Ferroviária
Ônibus bi-articulados do BRT, pouco usados e de revenda mais difícil ainda. Fonte: Volvo Ônibus

 

BRT em substituição a um sistema de alta capacidade: TRENS

Outro erro do projeto, talvez crucial para os problemas enfrentados pelo BRT e pouco mencionado, é que originalmente tanto o corredor Transoeste — linha originalmente proposta, projetada e parcialmente iniciada através de projeto executivo pelo ex-prefeito Cesar Maia — quanto o Transcarioca, seriam linhas do trem magnético japonês que Cesar Maia também pretendia implantar no Rio de Janeiro e que, por problemas políticos com o ex-Governador Marcelo Alencar, não conseguiu.

Slide do projeto do Corredor T5, o Trem magnético. Ao invés desse modal, no trecho foi implantado o BRT Transcarioca.

 

Posteriormente, Cesar Maia, vendo que não conseguiria seu objetivo, mas querendo deixar um legado para a cidade, pede ao escritório de Jaime Lerner para adaptar o projeto inicial de Trem Magnético, transformando-o em BRT, e deu início às obras do corredor Transoeste. Acontece que Eduardo Paes, ao dar prosseguimento ao projeto, o fez de maneira eleitoreira, não fazendo uma avaliação do projeto com o empresariado.  Estações principais como Madureira/Manacéia no corredor Transcarioca, por exemplo, têm apenas 2 posições de parada em cada sentido, diferente, por exemplo, do caso de Medelín, na Colômbia, que em grandes estações chega a ter 6 posições de parada.

Estação Madureira / Manacéia do BRT, integrada ao sistema da Supervia (Linhas Deodoro, Santa Cruz e Japeri) Foto: Facebook — Prefeitura do Rio de Janeiro

 

Isso gerou algo que, para o volume de passageiros transportados, só existe no BRT Carioca. Os ônibus em horários de pico conseguem ter uma lotação surreal. O brasileiro, quase sempre por necessidade, chega a quase ignorar as leis da física. Aparentemente, vivemos em um lapso dimensional onde tais leis não se aplicam. Só isso explica a absurda quantidade de gente dentro desses ônibus.

Foto: Jornal ZO

 

Mas o ponto crucial da questão são realmente os veículos. Apesar de pesados, são veículos muito pequenos e insuficientes para o tipo de operação proposto. Além de veículos maiores, o ideal seriam veículos sobre trilhos, o que diminuiria o custo de operação pela ausência de pneus, de suspensão, dentre outros fatores. E por serem veículos maiores, ao acomodarem melhor os passageiros, diminuiria o desgaste e até a depredação interna, como a dos sistemas de fechamento de portas, com consequente maior vida útil do equipamento e menor custo de manutenção preventiva e corretiva.

Foto: Jornal O Dia

 

Diesel ou Elétricos? Tanto faz, isso vai ser escolha do concessionário, que ele escolha o que for mais conveniente para ele. Para veículos a diesel, existem os fabricados pela Bom Sinal no Ceará e por empresas de carrocerias de ônibus que estão migrando para esse segmento. Para os veículos elétricos existem disponíveis os fabricados por todas as fábricas de veículos ferroviários instaladas no Brasil. Veículos de 3 vagões com capacidade para 600 passageiros de capacidade, bem mais do que os infames 120 passageiros ou 220 passageiros dos ônibus articulado atuais. A forma atual de operação do sistema já em processo de saturação contribui muito para a degradação de todo o sistema.

VEJA TAMBÉM  O Gordini e as locomotivas a vapor. O que ambos têm em comum?
Fonte: Jornal ZO

 

Ausência de um bom planejamento

E analisando mais a fundo, a coisa só piora. O projeto foi feito e levado adiante sem a participação dos principais parceiros do negócio: os empresários de ônibus que tiveram que “se virar nos 30” para fazer a coisa acontecer. Foi tudo feito literalmente, como popularmente se diz, “nas coxas”.

BRT TransBrasil

Alguém sabia que a TransBrasil, apesar dos belíssimos vídeos com animações muito bem feitas e tão divulgados pela imprensa, só teve seus trechos licitados até o caju? Que até hoje a prefeitura não sabe bem como ele vai funcionar? Que em princípio ele ficara pronto até a Rodoviária, mas que o restante é uma incógnita? Já repararam na enorme quantidade de estações fechadas e outras depredadas nas outras linhas de BRTs ja em operação? Tudo falta de um bom planejamento.

Obras do viaduto de acesso a um dos terminais do BRT TransBrasil Foto: Jornal O Globo

 

É um sistema que precisa ser recuperado e convertido, transformando-o no mínimo em um VLT nos moldes do VLT de Santos, que tem características diferentes do VLT Carioca. Enquanto o VLT Carioca é um modal integrador de baixa densidade, o VLT de Santos é um transporte de massa. O ideal mesmo é que se fosse implantado no BRT TransBrasil um sistema sobre trilhos mais robusto, como Trem ou Metrô, devido a altíssima demanda no trecho, que absorverá passageiros da Baixada Fluminense e das zonas Norte e Oeste da cidade. Entretanto, e apesar de ser uma concorrência paralela ao já existente sistema ferroviário que merece passar por melhorias para atender mais e melhor aos seus usuários, pelo histórico de falta de planejamento adequado nas gestões públicas ano após ano até uma intenção dessas é temerária de ser tomada e mal feita. Contudo, e sendo bem planejada, seria o mais recomendável. Sem dúvida.

Passagem de nível da linha de VLT que liga Santos a São Vicente. Notar a qualidade e cuidados no cruzamento dos trilhos pelo asfalto da via, a rede aérea e — curiosidade — um antigo pontilhão preservado da EF Sorocabana/FEPASA que passava pelo trecho. Foto: Google Street View (Julho de 2019)

E, em paralelo à substituição dos veículos por veículos maiores, é essencial a elaboração de um novo projeto para as estações, para diminuir as evasões.

Fonte: Jornal Extra

 

Sistemas de VLT como o utilizado em Santos–SP podem ser adaptados e estar plenamente operacionais nos corredores de BRT (incluindo o TransBrasil) em aproximadamente 2 anos, trazendo melhorias e interferindo positivamente no aspecto urbanístico da região. Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2018

 

Feliz
Feliz
0 %
Triste
Triste
0 %
Empolgado
Empolgado
0 %
Sonolento
Sonolento
0 %
Nervoso(a)
Nervoso(a)
0 %
Surpreso
Surpreso
0 %

Autores

  • Mozart Rosa

    Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966, que testemunhou o desmonte da E.F. Cantagalo e diversas histórias da Ferrovia de Petrópolis. Se formou Engenheiro Mecânico pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral Trilhos do Rio no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de redator do site, assessor de contatos corporativos e diretor-técnico.

    Ver todos os posts
  • Rodrigo Sampaio

    Professor de Matemática e especialista em Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto (UFRJ). Pesquisa mobilidade, clima urbano, desastres e resiliência. Membro Trilhos do Rio desde 2014, sendo consultor de projetos, e do coletivo Quero Metrô.

    Ver todos os posts
VEJA TAMBÉM  Museu do Trem completa 41 anos como um patrimônio esquecido

Classificação média

5 Star
0%
4 Star
0%
3 Star
0%
2 Star
0%
1 Star
0%

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Post anterior O Bonde no Brasil e no mundo III: o renascer Carioca
Próximo post As ferrovias e a natureza