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✍️ Daddo Moreira
📅 05/04/2020
🕚 14h49
📷 Capa: Obras de construção da Avenida Niemeyer, baseadas no leito do projeto ferroviário inacabado da ferrovia que ligaria Botafogo a Angra dos Reis




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Em uma época em que as estradas de rodagem eram poucas e precárias, a maioria dos transportes era feita por via marítima ou fluvial (onde era possível e onde o destino fosse próximo de um curso d’água) ou então por ferrovias. A partir da segunda metade do século XIX, várias ferrovias foram construídas, reduzindo a poucas horas viagens e trajetos que poderiam levar dias e semanas. Grandes centros regionais à época puderam ser aproximados e alcançados com mais facilidade do que com o transporte por carruagens e mulas, como era de costume até esse período.

Ponte ferroviária da EF Sapucahy, sobre o Rio Parahyba. Data desconhecida. Essa companhia foi uma das primeiras a tentar ligar o Rio de Janeiro a Angra dos Reis (Fonte: Brasiliana Fotográfica)

O estado do Rio de Janeiro possuía, como hoje, polos regionais de grande influência ao seu entorno. Uma dessas regiões, das mais antigas do país, era a cidade de Angra dos Reis, alcançada 5 dias após a descoberta da Baía de Guanabara e do Rio de Janeiro. Esta região reúne muitas atrações naturais, além de ser importante zona econômica e de turismo, evidentemente.

Fragmento do Jornal “O Apóstolo” de 04 de abril de 1880

Ainda no século XIX houve o interesse de se ligar a Côrte (capital do Império, atual município do Rio de Janeiro) à Angra dos Reis, pelo litoral. A Companhia Estrada de Ferro Sapucahy (que possuía várias linhas e ramais em Minas Gerais) foi uma das que tentou construir a ferrovia, partindo da Enseada de Botafogo, nas proximidades da extinta Praia da Saudade, seguindo por bairros da zona sul carioca, como Leblon, Vidigal, São Conrado e Barra da Tijuca.

Mudança do ponto inicial da EF Sapucahy, em Botafogo. Fonte: Jornal “O Brasil” de 21 de fevereiro de 1891

O projeto enfrentou muitas dificuldades. Uma delas foi o conflito entre a empresa responsável por esse projeto e companhias de bonde, que pretendiam alcançar a localidade de Copacabana com seus trilhos, mas o governo não permitia. Por que a ferrovia para Angra poderia e os bondes não? Assim, o trajeto do projeto foi alterado e passou a seguir por Botafogo até o fim, seguindo pela Lagoa e daí por diante.

Vista aérea do bairro do Leblon, supostamente em 1930. A ferrovia desceria a encosta do Morro Dois Irmãos (à esquerda, atual avenida Niemeyer) e seguia pela orla. (Fonte: Brasiliana Fotográfica — Imagem ilustrativa, o projeto foi abandonado décadas antes de essa foto ser feita)

Várias frentes de trabalho foram abertas, leito ferroviário construído e pronto para assentar os trilhos em alguns trechos, obras de arte como os cortes no Morro Dois Irmãos e um suposto túnel na Barra da Tijuca… entretanto outro conflito de interesses abortou o projeto, envolvendo a Companhia de Melhoramentos da Lagoa Rodrigo de Freitas que realizava obras de saneamento na região. A partir daí o projeto foi abandonado, tendo a mais notável das obras sido convertida em via rodoviária posteriormente: tornou-se a Avenida Niemeyer, importante logradouro que liga os bairros do Leblon, Vidigal e São Conrado.

VEJA TAMBÉM  Transporte sobre trilhos: motivos para lutar (1)
As obras na encosta do Morro Dois Irmãos. O que seria a ferrovia tornou-se a Avenida Niemeyer.

Outro vestígio deixado pelas obras da EF Sapucahy (Botafogo — Angra dos Reis) era um túnel próximo à saída do túnel da Joatinga, no bairro do Joá. Esse túnel foi por muito tempo habitado por um morador de rua, mas com a duplicação e ampliação do tráfego pela construção de outro acesso paralelo à Auto Estrada Lagoa-Barra (e demais túneis que a compõe), a suposta obra ferroviária foi lacrada com concreto.

Suposta boca de túnel ou parte da obra da EF Sapucahy – Imagem: Daddo Moreira

Em 1878 a Estrada de Ferro Central do Brasil chegou à localidade de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro. A intenção era alcançar Angra dos Reis, por isso o ramal que chegou a Santa Cruz chamava-se “Ramal de Angra”. Entretanto, apenas em 1914 foi inaugurada a sua estação final em Mangaratiba, não passando desse ponto. As obras para ampliação e prolongamento até Angra foram sendo executadas simultaneamente à construção do trecho até Mangaratiba, mas por motivos diversos, não foram concluídas além dessa cidade. Muitos vestígios dessas obras inacabadas podem ser vistas até hoje (todas as fotos e legendas abaixo são do amigo Waldir, postadas no nosso fórum de debates em 2013. Muito agradecido mais uma vez pelos registros!):

“Entrada de túnel obstruída com aterro por erosão, edificações, entulhos e vegetação. Parece ser o ponto final das obras. Situa-se no bairro Praia do Anil, atrás da fábrica de gelo”. – Imagem: Waldyr
“Alto-relevo com o nome da E.F.C.B.” – Imagem: Waldyr
“Cabeceira de ponte em Garatucaia — Angra dos Reis” – Imagem: Waldyr
“Alto-relevo com a data de construção.” – Imagem: Waldyr
“Vista das duas cabeceiras de ponte. (Garatucaia)” – Imagem: Waldyr
Corte em rocha, transformado em avenida. – Imagem: Waldyr
“Cabeceira de ponte na Praia do Camorim — Angra dos Reis” – Imagem: Waldyr
“Bueiro da E.F. Hoje, sob o leito da Avenida José Elias Rabha.” – Imagem: Waldyr

Enfim, e apenas em 1928, os trilhos chegaram a Angra dos Reis através da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), posteriormente Rede Mineira de Viação (RMV). A linha passa por Lídice, Rio Claro, Barra Mansa e cidades de Minas Gerais, alcançando Goiandira–GO. O trecho descendo a serra em direção a Angra é dos mais belos do mundo, mas infelizmente vem dia a dia sendo depredado a passos largos, quando poderia ser aproveitado para o turismo e mesmo para o transporte de cargas, caso o porto da cidade estivesse ativo.

Ainda em relação a esse trecho da ferrovia, uma imagem nos intriga: a publicação indica que esta obra seria um túnel ferroviário na “Serra das Três Orelhas”, a caminho de Angra. Alguém saberia a localização exata?

A equipe Trilhos do Rio, em suas pesquisas, sempre vai em busca de mais informações e de todos os segredos e mistérios para serem desvendados e elucidados. Muitos outros indícios e vestígios dessa obra ainda devem estar aparentes, e assim que for possível, iremos atrás.

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Autor

  • Daddo Moreira

    Formado em Arquivologia, pós-graduado em Engenharia Ferroviária, técnico em TI, produtor e editor multimídia, webmaster e webdesigner, pesquisador e historiador informal. Foi presidente e é o atual coordenador-geral Trilhos do Rio.

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One thought on “Do Rio de Janeiro a Angra dos Reis por trilhos

  1. Excelente publicação. Informações importantes para quem já passou por esse trajeto de automóvel e nunca havia reparado. Meus parabéns a este site. Abraço Dado!

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