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✍️ Mozart Rosa
📅 24/03/2023
🕚 11h49
📷 Capa: vagões abandonados em Carapebus. Foto: Daddo Moreira (2011)




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Olá, amigas e amigos.

Na semana e capítulo anterior, introduzimos um assunto que intriga muitos ainda hoje: o porquê da derrocada das ferrovias no Brasil. É um assunto bastante extenso e, anteriormente, já publicamos muitos artigos falando sobre o tema. A partir da primeira parte deste artigo, considerado o número 1, tentamos desmistificar fatos e algumas inverdades, mostrando a realidade dessa temática que tem por essencial importância a sua compreensão.

Apesar de o assunto não estar encerrado hoje, finalizamos uma parte deste, publicando a segunda parte, complementando o texto da semana anterior, onde apresentamos dois aspectos.

Bem vindos(as), agradecemos desde já a atenção, e desejamos a todos uma excelente leitura!

TERCEIRO ASPECTO: A GUERRA DAS BITOLAS

Este episódio não é mencionado pela maioria dos chamados “especialistas”, não em sua plenitude e não da forma como realmente aconteceu. A AFTR é até o momento uma das poucas ou a única instituição no Brasil que mostrou em textos parte do que aconteceu — uma sequência de textos chamados de “A Guerra das Bitolas” que tenta explicar esse evento histórico desconhecido pela maioria.

A Guerra das Bitolas foi uma guerra política entre ex-funcionários da EFCB e da E.F. Leopoldina pelo poder de comando dentro da RFFSA. Isso acontecia nos bastidores e jamais foi alvo de qualquer comentário da imprensa. Aquela frase dita originalmente por Maquiavel e no Brasil pelo político baiano falecido ACM — “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei” — bem se aplica ao que acontecia nos bastidores da RFFSA.

Devemos lembrar que as sedes da EFCB e da E.F. Leopoldina ficavam no Rio de Janeiro e as linhas oriundas da E.F. Leopoldina aqui em nosso estado foram todas destruídas — linhas que, com investimentos, poderiam ser lucrativas. Entretanto, nada sobreviveu. A própria sede da E.F. Leopoldina, que ficava em um belíssimo prédio na glória, foi abaixo também. Emblemático e sugestivo, não?

Antigo prédio da sede dos escritórios da “The Leopoldina Railway”, na Rua da Glória, n.º 36/38, esquina com a rua Conde de Lages, no ano de 1906. Fonte: Facebook Foco in História.

As linhas oriundas da E.F. Leopoldina não recebiam investimentos. Observem todas as fotos antigas das ferrovias de Petrópolis, E.F. Cantagalo e da E.F. Rio D’Ouro. Essas ferrovias operavam na década de 1960 com locomotivas a vapor que já tinham sido aposentadas na maioria das linhas da EFCB há vários anos antes. Se as linhas tivessem sido reformadas e feito investimentos em novos equipamentos, poderiam estar até hoje operando com lucro.

Trem da EF Teresópolis passando sobre a ponte do Rio Paquequer

Sobre a E.F. Cantagalo, uma informação se perdeu com o tempo, e uma pergunta provavelmente nunca será respondida: por que motivo as cremalheiras retiradas da E.F. Teresópolis, ao serem desmontadas, não foram colocadas na E.F. Cantagalo? O sistema “Fell”, comparado ao sistema de cremalheira, era de operação e manutenção mais custoso. Isso consumia todo o lucro da E.F. Cantagalo, e sob a alegação de prejuízo, ela foi extinta, mas nada foi feito para diminuir suas perdas. Acreditem, mais um episódio da Guerra das Bitolas.

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Essa falta de investimento se estendia à manutenção da via permanente, e por causa disso, acidentes eram constantes, e isso era creditado ao uso da bitola estreita e não à falta de investimentos em manutenção. Mais uma forma de desacreditar as linhas da E.F. Leopoldina, todas em bitola estreita. De certa forma, isso acontece hoje na “bitolinha” da Supervia.

Pátio de Guapimirim em 2016. Foto: Daddo Moreira

Nosso consultor, Sr. Augusto Santoro, que foi resgatista da E.F. Leopoldina, corrobora isso. Pessoas colaboradoras da AFTR, que trabalharam na linha ligando Campos a Niterói, corroboram isso também. Isso foi uma regra quase geral: para a E.F.C.B, equipamentos novos de primeira linha; para a E.F. Leopoldina, equipamentos velhos, sucateados, amarrados com barbante e arame, com exceções. Lembram do que falamos sobre ACM?

CONFLITO LARGUISTAS X ESTREITISTAS

Essa guerra começa com as fusões feitas na marra entre as empresas absorvidas pelo governo federal, que culminou com a criação da RFFSA. De todas as empresas absorvidas pela RFFSA, a EFCB era de longe uma das mais lucrativas, graças à descoberta, em 1911, das jazidas minerais em Minas Gerais. Esse fato transformou a EFCB, que tinha linhas próximas, em uma grande transportadora de minério de ferro. Assim se criou o “Estilo EFCB de ser”, um modelo de negócio focado no granel que virou referência.

Começo da exploração de minério em Minas Gerais. Foto pertencente ao trabalho “A exportação de Minério de Ferro pela Central do Brasil”. Fonte: Arquivo Público Mineiro, foto de Dermeval José Pimenta (colorida por AI)

A RFFSA foi criada a partir da união de uma série de empresas falidas. O corpo técnico da RFFSA sabia transportar uma composição do ponto A para o ponto B e mais nada. Se isso gerava lucro ou não, não era de todo relevante. Conceitos de lucro, produtividade, prejuízo, metas, essas coisas não eram priorizadas na RFFSA como seriam na iniciativa privada. Até existiam metas, mas para erradicação de linhas. Criou-se também o mito de que a bitola larga deveria prevalecer por ser “melhor”, isso contrariando várias recomendações técnicas da época que consideravam a geografia da região Sudeste. Foi tudo uma enorme falácia, na realidade, o objetivo disso foi o de destruir o legado da E.F. Leopoldina. Essa guerra foi um verdadeiro desastre para o setor ferroviário e para a economia nacional.

Trecho operado pela Supervia onde, na época, ainda coexistiam linhas em bitola larga (1600 mm) e bitola métrica (1000 mm). Foto: Daddo Moreira em 2009

Essa disputa entre “larguistas” e “estreitistas” foi das coisas mais bizarras e ridículas que existiu e que existe ainda hoje no mercado ferroviário brasileiro. E ainda tem gente levando isso a sério, defendendo com unhas e dentes bitola x ou bitola y, sendo que todas, mesmo se houver necessidade de baldeações ou conexões, tem o seu espaço e importância. Não estamos falando de disputa de times de futebol, é uma simples questão técnica, mas que tem defensores apaixonados. É também o futuro do país que está em jogo.

UM PARÊNTESES SOBRE MINAS GERAIS

Juiz de Fora possuía duas ferrovias em seu território, sendo que a de bitola métrica foi extinta, o que é uma pena, pois se estivesse em operação atualmente, seria muito útil para a população e o país. Além disso, o café produzido na região da Zona da Mata, que antes era escoado para o Rio de Janeiro pelas linhas da E.F. Leopoldina, agora precisava ser transportado por outros meios, já que as linhas métricas foram desativadas. É importante que os representantes do povo de Minas Gerais estudem melhor essa história e exijam uma reparação, uma vez que a malha ferroviária do estado foi destruída por políticas tolas e inadequadas.

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Panorama de Juiz de Fora. Postal pertencente ao acervo Benício Guimarães (colorido por AI)

No entanto, a situação ainda piora quando o então deputado estadual João Leite criou a Comissão Pró Ferrovias de Minas Gerais e foi assessorado por ex-funcionários da RFFSA. Eram pessoas não conscientes em entender conceitos de lucro e que não conseguem calcular demanda, faturamento estimado, equipamentos adequados e custos. São aposentados que se propõem a dar consultoria, mas que na realidade não sabem todo o necessário sobre o assunto. Alguns são sonhadores, que elaboram ideias achando que o governo vai bancar, mas também tem quem defenda a adoção da bitola larga sem qualquer critério, o que não seria adequada para muitas das necessidades.

O problema é que, em assuntos técnicos como as ferrovias, pessoas sem muita vivência sobre o assunto, como o ex-deputado João Leite, procuram aconselhamento com algumas pessoas que na maioria das vezes são egressas da RFFSA. Essas pessoas desconhecem a maioria das informações necessárias para apresentar propostas “tecnicamente perfeitas e economicamente viáveis”.

A comissão dirigida pelo ex-deputado João Leite se limitou a apresentar um relatório em quatro anos. Se ele for eleito novamente e quiser uma assessoria mais competente, pode ser interessante que procure a equipe da AFTR, que pesquisou profundamente o assunto e conhece as origens e motivos desse desastre. Eles podem apresentar propostas mais interessantes para a reativação ou criação de novos trechos ferroviários.

O DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E EM INVESTIMENTOS DA RFFSA

Ludwig Von Mises, um dos maiores economistas da história, em seu livro “O Cálculo Econômico Sob o Socialismo”, escrito em 1920, fala sobre a utopia do socialismo, e em determinado momento, que ele não sabia precisar, esse modelo iria cair. Se considerarmos a RFFSA como um microcosmo, como um país socialista, foi isso que aconteceu. Ela apodreceu. Sua atuação era utópica, ilógica e antieconômica. Sua contabilidade era caótica. Ela sabia que tinha prejuízo, mas não conseguia determinar a origem dele. Reduzir custos pela demissão de funcionários, desmobilização de patrimônio ou auditorias nem pensar. Resolveu extinguir as linhas daquelas empresas mais fracas, e a E.F. Leopoldina estava extremamente fragilizada por conta de seus prejuízos recorrentes. Essa é uma realidade inconveniente. A tarifa social que muitos ex-funcionários até hoje apregoam com orgulho ajudou bastante a aumentar o tamanho desse buraco. Quem não lembra o quanto o trem antigamente era “baratinho”? Mas lembrem-se: não existe almoço grátis. Quando a vaca foi para o brejo era preciso encontrar culpados, e acharam: o rodoviarismo, os empresários de ônibus e outras razões fantasiosas. Mas falar dos prejuízos monstruosos da RFFSA ou da Guerra das Bitolas nem pensar. Isso foi varrido para debaixo do tapete.

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Acervo O Globo, 29 de março de 1979. Fonte: Fórum Trilhos do Rio.

Aqueles que leram esse texto e chegaram até aqui, entendam o seguinte: o rodoviarismo prevaleceu no Brasil não por qualquer teoria da conspiração, mas pela inépcia, pela incompetência dos funcionários da RFFSA. Mais preocupados em manter seus privilégios, suas regalias, seu status quo e manter o monopólio que os favorecia, e nenhuma preocupação com o desenvolvimento do setor ferroviário. Isso foi desastroso para o país. Concurso público, em tese, deveria servir para auferir conhecimentos, e no Brasil isso não acontece. O objetivo do concurso público no Brasil, salvo exceções, é direcionar ideologicamente os candidatos aprovados. Muitos candidatos fazem esses processos seletivos não interessados na carreira ou no tipo de trabalho, mas interessados no salário. No caso do setor ferroviário, concursados da EPL e da VALEC foram direcionados a acreditar firmemente nas “vantagens” da bitola larga e defendem isso com unhas e dentes, e embora odiemos esse termo, o usaremos. São em sua maioria “Larguistas” e encontram os mais descabidos argumentos para defender suas ideias. Ignoram os debates promovidos no Clube de Engenharia entre Paulo de Frontin e diversos outros notáveis, inclusive o Sr. Niemeyer, sobre o tema, debates não entre qual seria a melhor bitola, a larga ou a estreita, mas sobre qual bitola inferior à larga seria melhor para o Brasil, onde alguns defendiam a bitola Standard de 1435 mm e a métrica. Hoje isso é ignorado pelos “especialistas”.

Conrado Jacob Niemeyer. Fonte: Correio da Manhã, Arquivo Nacional.

Toda essa informação é como se nunca tivesse existido. Para quem não conseguir ligar o nome à pessoa, o Sr. Niemeyer citado foi Conrado Jacob Niemeyer, fundador do Clube de Engenharia em 1880, e que abriu a Avenida Niemeyer após o cancelamento da obra da EF Botafogo — Angra dos Reis, dentre muitas outras ações. O Sr. Niemeyer é o antepassado de homens como Oscar Niemeyer, o arquiteto, e Paulo Niemeyer, o neurocirurgião. Quanto custou ao país a mudança de bitola, totalmente desnecessária, em determinados trechos? Podemos citar como exemplos aqui no Rio de Janeiro a extensão de Gramacho a Saracuruna e o alargamento das linhas até Duque de Caxias. Esse devaneio, esse culto à bitola larga, se assemelha aos judeus cultuando o Bezerro de Ouro no período mosaico do Velho Testamento. Isso gerou obras como a Ferrovia do Aço.

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Autor

  • Mozart Rosa

    Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966, que testemunhou o desmonte da E.F. Cantagalo e diversas histórias da Ferrovia de Petrópolis. Se formou Engenheiro Mecânico pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral Trilhos do Rio no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de redator do site, assessor de contatos corporativos e diretor-técnico.

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