✍️ Mozart Rosa
📅 02/08/2020
🕚 12h00
📷 Estação de Amorim (Manguinhos) ainda com as QUATRO linhas em bitola métrica, antes da desastrosa modernização com rebitolamento para bitola larga, eletrificação dos trens e posterior extinção das linhas de bitola métrica de todo o trecho. Foto: Arquivo Nacional.
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A Guerra das Bitolas
A Disputa EFCB X EFL
A História Secreta da Queda das Ferrovias
Atendendo a pedidos, falaremos de forma mais detalhada sobre a Guerra das Bitolas, um episódio desconhecido da maioria, que foi um desastre para o Setor Ferroviário Brasileiro.
Para relembrar: falando de maneira descomplicada, o termo Bitola é utilizado no meio ferroviário para designar a distância entre os trilhos.

Voltando ao assunto, onde tudo começa? Para isso precisamos, como sempre, relembrar alguns fatos e falar um pouco de história. A história da primeira ferrovia do Brasil todos já conhecem, então vamos falar de aspectos comerciais que pouquíssimos conhecem. A nascente indústria ferroviária mundial naquele período estava ainda se descobrindo. Não existiam ainda padrões definidos, daí existiam em produção equipamentos rodantes em várias bitolas, com cada fornecedor tentando vender seu produto afirmando ser melhor que o do concorrente.
Um brilhante engenheiro inglês da época, Isambard Kingdom Brunel, chegou ao exagero de criar uma bitola de mais de 2 metros de largura.
Por conta dessa influência, na não padronização que ocorria em escala mundial, o Brasil teve ferrovias com várias bitolas diferentes, incluindo a primeira ferrovia do país, a Estrada de Ferro Príncipe D. Pará, sendo a única a ter bitola de 1,676mm, posteriormente convertida para bitola métrica.

Com o tempo se chegou a um consenso onde se sobressaiu por conta da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) e da Estrada de Ferro Leopoldina (EFL) as bitolas de 1,60m e 1,00m. A EFCB desde seu início, com a construção do trecho inicial que saia do Rio de Janeiro (ainda como Estrada de Ferro Dom Pedro II em 1858), optou pelo uso da bitola irlandesa de 1,60m. Opção de Cristiano Otoni, um dos maiores engenheiros ferroviários do Brasil.

Por sua vez, a Estrada de Ferro Leopoldina inicia suas atividades em 1872. Por conta de problemas na gestão, em 1898, seus credores assumem a ferrovia e iniciam um ambicioso processo de expansão e modernização, iniciando uma série de aquisições de ferrovias, que absorvem várias pequenas empresas, chegando a ter mais de 3000 km de linhas em bitola métrica.

Infelizmente, a Estrada de Ferro Leopoldina novamente enfrentou problemas de caixa na década de 1950. Nesta ocasião, teve seus problemas potencializados pelo início de operação das máquinas a diesel, que começaram a se tornar corriqueiras em outras operadoras, sendo mais eficientes que as máquinas a vapor, e que ela não tinha caixa para adquirir. Além disso, enfrentou problemas também com a falta de modernização de suas linhas e seu maquinário em geral, perdendo competitividade para o uso intensivo de caminhões, que começavam a se espalhar pelo Brasil e que eram muito mais rápidos que as ferrovias. A Estrada de Ferro Leopoldina foi então absorvida pelo Governo Federal no início da década de 1950 durante o Governo Dutra.

Novamente somos obrigados a falar de alguém sempre mencionado por nós pelas suas lambanças e que, de forma não intencional com suas atitudes equivocadas, começou essa guerra: Getúlio Vargas. Quem acompanha nossos textos sabe que Vargas não era aquele tiozão do churrasco, bonachão e gente boa que a historiografia oficial mostra, inclusive nossos artigos abaixo comprovam isso: dois textos mostrando a responsabilidade de Getúlio na extinção dos bondes e no início da decadência dos trens.
O motivo do fracasso das ferrovias no Brasil (9 – II) – Getúlio Vargas
O Bonde no Brasil e no mundo II: a decadência no Rio de Janeiro
Duvidam? Sigam as fontes e sigam o dinheiro, Diário Oficial e balanços.
O governo federal já tinha sob seu controle uma considerável quantidade de empresas ferroviárias que, a partir da década de 1930, no primeiro governo Vargas, foram sendo incorporadas. Apesar de não ser o responsável pela encampação da Leopoldina, Vargas a manteve sob o guarda-chuva do Governo. Todavia, em 1957, com a criação da RFFSA, foi preciso definir quem iria mandar nos níveis gerenciais e que procedimentos administrativos adotar. De todas as empresas ferroviárias absorvidas anteriormente pelo governo federal, as maiores eram a EFCB e a EFL, e quem iria mandar? Com ambas operando na cidade da futura sede da RFFSA, é bom ressaltar.

Inicia-se aí uma das maiores guerras de bastidores do mercado corporativo brasileiro. Como tudo feito no Brasil é feito de modo inconsistente, nenhum dos gênios do governo que incentivou a criação da RFFSA pensou nisso, em como unir várias culturas gerenciais e simplesmente começa aí uma disputa entre os remanescentes dessas empresas. Se hoje com todo trato e todo cuidado envolvido no mundo corporativo nas fusões e aquisições, com a ajuda de psicólogos e trabalhos de integração entre culturas gerenciais acontecem problemas, imaginem em 1960 quando isso era desconhecido, e fusões e aquisições era novidade.
Não existem registros documentais efetivos dessa situação, quando muito, comentários à meia boca de quem viveu aquele período e que hoje tem mais de 80 anos. Essa guerra de bastidores envolvendo egressos da EFL e EFCB foi extremamente nociva para a nova empresa que surgia, e a unificação de sistemas gerenciais, gestões operacionais, gestão de pessoal e sistemas de manutenção foi uma confusão. Cada grupo querendo sobrepujar o outro. Duas culturas empresariais diferentes que precisaram pela imposição do governo se unirem, e é óbvio que um grupo sabotava o outro, na busca pelo poder, um grupo querendo influenciar o outro e impor o seu modelo gerencial.

Acontece que nessa guerra, os oriundos da EFCB foram vitoriosos, afinal o Brasil começou a despontar como grande exportador de minério e as jazidas de minério ficavam próximas às linhas da EFCB, consequentemente maior faturamento na bitola larga. Obviamente os vitoriosos em qualquer guerra contam a sua versão da história, e tendem a massacrar os vencidos, daí que os insumos para manutenção das linhas remanescentes da EFL começaram a rarear. Assim, enquanto para as linhas da EFCB sempre existia dinheiro, nas linhas da EFL era tudo na base da gambiarra com arame e esparadrapo.

Essa história foi confirmada e relatada por vários ex-funcionários e principalmente um ex-resgatista da EFL ainda vivo, que está na postagem abaixo.
Com o tempo, as linhas da EFL foram sendo sucateadas em uma velocidade surpreendente, aniquilação do inimigo. Não se pensava em atualizar apropriadamente para o século XX as construções e instalações do século XIX, a ordem era desativar.
Depoimento (prejudicado pelo vento) de um funcionário da CENTRAL Logística na estação Guapimirim falando sobre o descaso com o funcionamento e operação dos trens de bitola métrica do ramal.
Obs.: imagens gravadas em 2009 e editadas digitalmente para preservar a identidade de todos os envolvidos.
Essa situação não aconteceu apenas entre a EFCB e a EFL, mas também entre as outras empresas que passaram a fazer parte da RFFSA, mas a coisa foi mais acentuada entre essas duas companhias. Afinal, ambas operavam no Rio de Janeiro e no Rio ficava a sede da RFFSA.
E a RFFSA, para variar, será o foco da nossa próxima postagem sobre o assunto, a influência que ela teve na Guerra das Bitolas.
Aguardem e não percam!
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Agradecemos a leitura. Até a próxima!
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