✍️ Mozart Rosa
📅 25/06/2021
🕚 12h00
📷 Represa em São José do Vale do Rio Preto (Fonte: Acervo Amigos para Sempre, via Amarildo Mayrink)
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Olá, amigos e amigas!
Hoje damos continuidade a essa série de três partes falando sobre os Trens Turísticos, mais especificamente dos projetos que estão sendo propostos no Estado do Rio de Janeiro.
Entretanto, neste artigo, falaremos de modo geral e amplo sobre projetos turísticos já existentes no país e as propostas sem noção, que podem por si só futuramente implodir qualquer chance de ser executada e, mais do que isso, prejudicar o setor e as propostas que teriam possibilidade de serem implantadas.
Como sempre e ultimamente, este texto é um pouco longo, leva em média vinte minutos para uma leitura calma e compreensiva, portanto pedimos que relaxem e leiam com atenção, e utilizem a navegação ao final da primeira parte, de um total de duas.
NÃO SABER O QUE DIZER
Iniciamos o texto com uma música do ano de 1935, composta pelo mestre Noel Rosa:
“Quem é você que não sabe o que diz? / Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira / Oswaldo Cruz e Matriz.
Que sempre souberam muito bem / Que a Vila não quer abafar ninguém.
Só quer mostrar que faz samba também.
Fazer poema lá na Vila é um brinquedo / Ao som do samba, dança até o arvoredo.
Eu já chamei você pra ver / Você não viu por que não quis.
Quem é você que não sabe o que diz?
“Quem é você que não sabe o que diz? / Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira / Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem / Que a Vila não quer abafar ninguém.
Só quer mostrar que faz samba também.
A Vila é uma cidade independente / Que tira samba, mas não quer tirar patente.
Pra que ligar a quem não sabe / Onde tem o seu nariz?
Quem é você que não sabe o que diz? “
Essa bela música mostra em sua simplicidade uma realidade do setor ferroviário:
· • Muita gente que não sabe o que diz • ·

Agora sobre Trens Turísticos, vamos fazer uma pergunta bem simples a alguns de nossos leitores…
VOCÊ
Sim. Você, ou alguém que você conheça, que vive recomendando o uso de linhas abandonadas para uso turístico…
- Qual a sua profissão?
- Quantos negócios na área de turismo você teve em sua vida?
- Quantos negócios de qualquer tipo você teve em toda sua vida?
Para quem acompanha, ou não, os textos Trilhos do Rio, vamos transcrever aqui algo que é quase um credo para os membros de nosso grupo:
“Ferrovia, diferente de rodovia, é um negócio. Só pessoas que sabem das dificuldades do que seja um negócio, essencialmente no Brasil, deveriam tratar do setor.”
Vamos mudar um pouco a estrutura de nosso artigo hoje e fazer como fazíamos no ensino fundamental: uma interpretação de texto! Talvez assim, com esse nível de didatismo, consigamos mostrar de forma diferente e mais direta um pouco da realidade do setor.
Lembrando que o texto abaixo tem informações, e não opiniões. E lembramos ainda que não queremos ofender ninguém nem direcionar fatos a uma ou outra pessoa, são apenas fatos, e cabe a cada um analisar onde se encaixam, pois são verídicos. Portanto, o uso do pronome de tratamento você não é necessariamente dirigido a você que está lendo este texto, mas cabe, sim, em determinadas situações que você poderá ou não identificar.
PEQUENO TEXTO A SER ANALISADO:
REALIDADE DOS TRENS TURÍSTICOS NO BRASIL
“A única operação ferroviária turística plena existente no Brasil é a da ESFECO – Estrada de Ferro Corcovado. Mas o que significa “Operação ferroviária turística plena”? Significa uma empresa de turismo ferroviário que é responsável tanto pelos veículos quanto pela linha.
Significa que funciona durante os 7 dias da semana e no período de janeiro a dezembro, funcionando exclusivamente com função turística”.

Agora pinçaremos algumas frases do texto para melhor análise, assim como no ensino fundamental. Ao analisarmos essas frases pinçadas do texto também faremos perguntas para fixação da compreensão. Fiquem atentos.
FRASE NÚMERO 1
“funciona durante os 7 dias por semana.”
Vamos à análise: a única operação ferroviária turística no Brasil, além da ESFECO, que funciona 7 dias por semana de janeiro a dezembro, é a operação do Trem de Vitoria a BH, que na realidade não é essencialmente turístico, apesar de atrair muitos passageiros com esse estilo. Operado pela Cia. Vale S.A. funciona 7 dias por semana, mas em apenas dois horários diários. Além disso é uma operação que divide o uso da linha com o trem de carga e quem custeia a manutenção da linha é a Vale S.A.

Essa operação, segundo analistas, paga as despesas e gera lucro insignificante, é mantida por fazer parte do contrato de concessão e pelo valor sentimental do mineiro com o trem.
A ESFECO, além de operar 7 dias por semana, opera seus trens a cada 30 minutos e em alguns dias de menor movimento a cada 20 minutos. O trem da Vale tem apenas DUAS operações diárias.
· • Viram a diferença? • ·
Operacionalmente, é algo complexo manter carga e passageiros na mesma linha, principalmente quando tratamos de empresas como MRS, Rumo e VLI, com composições extensas de carga ou supergraneleiras, diferente das propostas do Estilo Leopoldina de Ser.

Mas no caso do trem Vitoria x Minas essa operação é viável por serem apenas dois horários diários. Bem diferente do Barrinha, um serviço que, segundo seus defensores e saudosistas, deveria ter periodicidade de 30 em 30 minutos, o que causaria enormes transtornos ao transporte de cargas. Não é impossível, mas infelizmente é muito difícil implementar algo nesse sentido atualmente, não dá para compará-lo com o Vitória x Minas, por exemplo.

· • Alguém explicou isso antes? • ·
Interessante notar que pouquíssimos desses defensores conhecem a fundo uma operação ferroviária, e os que conhecem nunca trabalharam em local com o volume de trens de carga, que sobem e descem diariamente a Serra das Araras, por exemplo.
Novamente “não combinaram com os russos” (quem lê nossos textos entende bem o sentido dessa frase).

Portanto, caro leitor, ao apoiar algumas ideias apresentadas para o setor e que aparentemente são boas, procure conhecer o currículo, conhecimento ou aptidões de quem as propõe, pois você pode se surpreender.
Continuando a explicação dos 7 dias por semana, 12 meses por ano: a maioria das operações ferroviárias turísticas do Brasil funciona de quinta a domingo.
- Trem das Águas;
- Trem de Tiradentes a São João Del Rei;
- Trem de Morretes;
- E diversos outros.
E alguns só funcionam nos meses de férias. Sim, você leu direito. Alguns trens turísticos no Brasil só funcionam nos meses de férias.

Portanto, fica abaixo a pergunta número 1, que ao final do texto será transcrita com diversas outras para que você, leitor, responda e avalie a viabilidade de algumas ideias propostas pelos “especialistas” (novamente, quem lê os artigos aqui sabe do que estamos falando):
Pergunta número 1: “O trecho turístico que você defende tem potencial para se pagar, funcionando apenas de quinta a domingo? Ou menos?”
FRASE NÚMERO 2
“uma empresa de turismo ferroviário que é responsável tanto pelos veículos, como pela linha”
Outra frase pinçada do texto sob análise, vamos aos detalhes: a maioria das operações ferroviárias turísticas do Brasil usa a linha de uma empresa concessionária que é quem efetivamente faz a manutenção dessa linha, e isso não é barato.
· • Claro, temos algumas exceções: a ABPF de Cruzeiro-SP é um exemplo • ·
A empresa que opera o trem turístico, na maioria das vezes, apenas é responsável pelos trens e funcionários que vão operar os trens e o pessoal de apoio. Isso em alguns casos, como até recentemente em Morretes-PR. Naquele caso, a Serra Verde Express é a dona da Litorina/Automotriz.
Mas não é a dona da locomotiva que traciona os vagões, a locomotiva a diesel pertence à Rumo Logística, que é a responsável pela sua manutenção, tirando da Serra Verde Express a necessidade de uma oficina para locomotivas a diesel, o que também não é barato por conta dos equipamentos necessários.
A oficina da Rumo Logística, responsável pela manutenção dessa locomotiva, é responsável por todas as locomotivas da Rumo Logística na região sul. Essa locomotiva, quando não traciona as composições de passageiros, traciona cargas. Ela funciona 24 horas por dia.

Esses são apenas alguns exemplos, existem diversos outros. Mas lembramos que todas as operações acima são lucrativas e têm modelos diferentes de negócio, todos com os “pés no chão”, ou “rodas no chão”, como preferirem.
Sobre o assunto “locomotivas e vagões”, disponibilizamos mais algumas informações: o custo do combustível (diesel) no Brasil, com a escorchante carga tributária embutida no preço final, inviabilizou o transporte de passageiros no país pelo uso de máquinas a diesel de elevada potência, adequadas ao transporte de granel. Agora podemos perguntar aos honoráveis idealistas: que tipo de máquina ele gostaria de usar em projetos, não sendo um devaneio?
Talvez o leitor ache muito interessante a ideia de usar máquinas a vapor. Entretanto, a mais “novinha” tem em torno de 120 anos. Leu nosso texto sobre o Gordini? Ou o texto 1 dessa série? Por favor, leia e entenderá que isso infelizmente não é tão simples. É uma ideia bonita, mas não funcional e inviável, de maneira geral, no Brasil. Leia os textos sugeridos para saber mais.
Aqui uma pergunta extra: Quem vai manter e quem vai operar?
Aqui vai um abraço para o Sr. Miguel Pellegrino, morador de Valença, que criou o Museu Ferroviário de Valença e que teve uma sacada genial, colocando em uma praça da cidade vagões ferroviários fabricados no passado nas oficinas que existiam em Valença. Vagões que hoje ficam estacionados, em um tributo ao passado, e sem custos de operação. Não é o ideal, mas como se diz popularmente, “é o que temos para hoje”.
Alguns registros das etapas de transporte, chegada e preparação dos vagões (carros de passageiros) em Valença. Em breve, mais detalhes serão publicados no site Trilhos do Rio e os registros preservados no Trem de Dados, uma iniciativa para preservação da memória e dos dados ferroviários do estado do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo.
E agora vamos à Pergunta número 2: que na realidade engloba uma série de perguntas extremamente pertinentes “O trecho turístico usará que tipo de máquina para tracionar os vagões, que tipo de vagões vai ser usado, de onde esses vagões virão? E o mais importante: o volume de passageiros transportados vai custear isso?”
ANÁLISE COMPLEMENTAR DA FRASE 2
Aproveitando a mesma frase lá acima, sublinhada, partimos para analisar apenas o final dela, “como pela linha”
Sim, quem vai cuidar da linha? Se no local onde se pretende construir essa linha turística a linha tiver sido removida, vamos a mais uma pergunta. Sendo assim, e considerando a abrangência dessa minúscula, mas importantíssima frase, desdobraremos a pergunta número 3:
Pergunta número 3: “Quem vai pagar a reconstrução dessa linha considerando custo de até R$ 500.000,00 por km? Ou quem vai bancar uma eventual reforma da ordem de R$ 250.000,00 o km.” (valores estimados para uma linha de bitola métrica)
O volume de passageiros transportados vai bancar isso?

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