✍️ Mozart Rosa
📅 11/06/2021
🕚 12h00
📷 Trem operado pela ABPF nos trilhos da extinta Cia Mogiana de Estradas de Ferro. Foto de André Gehringer
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INTRODUÇÃO
Olá, amigos e amigas! Hoje o tema é sobre os Trens Turísticos, dando início a uma série de três partes onde falaremos dos projetos que ultimamente vieram à tona no Brasil, mais especificamente no estado do Rio de Janeiro, berço das ferrovias. Contudo, mostraremos alguns elementos que, por diversos motivos, podem dificultar ou mesmo impedir a execução de tais projetos.
O “BONZISMO”
Por algum motivo inusitado existe algo no interior das pessoas que faz com que todos queiram ser bons, é o que é conhecido como “Bonzismo”. O problema é a existência de uma linha tênue que separa o ser bom, de ser tolo, inocente ou até mesmo inconsequente. Existem “Bonzistas” em todos os setores da atividade humana, e não seria diferente no setor ferroviário.
Há algum tempo fizemos aqui um artigo onde, de forma bem-humorada e que por analogias, desaconselhávamos o uso de locomotivas a vapor em novos projetos de trens turísticos, tivemos até o privilégio de ver postado um comentário feito por alguém autoridade no assunto, o Sr. Bruno Sanches, presidente da ABPF de Cruzeiro e operador do Trem das Águas em São Lourenço.
Como sempre, muitas ponderações aconteceram. Sendo assim, faremos uma sequência de artigos, feitos com a colaboração de pessoas ligadas ao setor turístico, onde de forma mais elaborada traçaremos um panorama do que efetivamente é o setor turístico no Brasil na totalidade, e não apenas o turismo ferroviário. Falaremos também de forma mais técnica e abrangente sobre o uso de equipamentos antigos, como as locomotivas a vapor, em projetos turísticos.

Um artigo direto, mais elaborado, sem analogias, derrubando algumas argumentações sem sentido e tentando fazer com que os “Bonzistas” conscientemente reflitam.
Cabe aqui abrir um parêntese, para ressaltar que o autor deste artigo é Engenheiro Mecânico, trabalhou durante 5 anos com manutenção química de caldeiras e com produção mecânica, dentro de oficinas e, portanto, sabe bem do que está falando quando se trata de máquinas a vapor.

Queremos mostrar também a nossos leitores que quando algumas pessoas pensam em colocar Trens Turísticos em diversos trechos abandonados, possivelmente são pessoas que nunca na vida operaram um negócio turístico, ou talvez nem ao menos sabem como a coisa funciona, resultando em propostas sem nenhum fundamento.
SOBRE LOCOMOTIVAS A VAPOR
Locomotivas a vapor podem ser descritas como panelas de pressão sobre rodas, pois as caldeiras nada mais são do que panelas de pressão aperfeiçoadas, cujo vapor tem uma destinação específica, que não é a de fazer comida. Em essência, é isso. E com as caldeiras, bem como panelas de pressão, se não forem tomados os devidos cuidados, podem explodir. Isso acontecia muito no início das máquinas e locomotivas a vapor, e eventualmente aconteceram alguns casos aqui no Brasil. Tanto com caldeiras quanto com locomotivas.

A origem histórica das panelas de pressão e sua evolução tecnológica até chegar aos motores a vapor e às Locomotivas a Vapor estão bem explicadas no artigo abaixo, bem como o que realmente são os “especialistas”.
Cristiano Ottoni escreveu no início do século XX um livro chamado Theoria das Máquinas a Vapor e um dos subtítulos do livro é “Aos meios de evitar as explosões”. Portanto é um assunto a ser levado muito a sério e não relativizado como o fazem alguns defensores da ideia do uso das Locomotivas a Vapor que, novamente ressaltamos: nunca na vida possivelmente operaram ou fizeram a manutenção de uma máquina assim.

A explosão da Fábrica de Medicamentos Merck na Estrada dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, na década de 80, destruiu dois apartamentos no condomínio ao lado da fábrica.
Sobre as locomotivas que se envolveram em explosões, os textos aqui no site têm diversos recortes de jornal, mostrando fatos ocorridos, inclusive no Brasil.
E por que pode isso acontecer? Bem, caldeiras têm alguns aspectos fundamentais: é necessário que suas tubulações permitam passar seus devidos líquidos sem obstrução, no caso de pessoas é o sangue, no caso de caldeiras é a água. Tubos de caldeira são como veias do corpo humano que podem entupir. E quando entopem as pessoas, têm problemas circulatórios e podem morrer, e no caso das caldeiras, elas podem explodir. Então, homens e máquinas precisam ser cuidados e se cuidar. Os humanos, ao se exercitarem e controlarem a dieta, evitam que gorduras obstruam suas artérias, e as caldeiras, ao serem submetidas a um tratamento químico preventivo e corretivo, evitam entupimento de tubos, sendo em casos extremos necessária uma completa limpeza mecânica ou até mesmo a troca de tubos.
POR QUE CALDEIRAS DE LOCOMOTIVAS PODEM EXPLODIR?
A água que bebemos tem os famosos sais minerais dissolvidos, que na maioria das vezes nenhum problema causa aos seres humanos. Mas no caso de algumas pessoas, elas desenvolvem as famosas “Pedras nos Rins”, anteriormente corrigíveis via cirurgia e que hoje são destruídas com aparelhos de ultrassom em determinados casos. Estas substâncias que se acumulam e geram cálculos renais são os sulfetos e sulfatos, que dissolvidos na água, como explicado, nenhum mal fazem às pessoas.

Contudo, em tubulações metálicas, com a água a temperaturas elevadas, se inicia um processo químico de incrustação nas paredes, muito parecido nos humanos ao entupimento de veias por gorduras. Isso era desconhecido no século XIX, no início da produção de máquinas a vapor e daí elas explodiam com maior frequência. Felizmente, o desenvolvimento tecnológico diminuiu isso de forma considerável, mas no caso do Brasil, acontecia muitas vezes por desleixo mesmo.
Portanto, os amigos que têm 30 anos de experiência e questionam opiniões, mas sendo por formação Engenheiro Civil e, quando muito, gerente de setor: por favor, menos!
O USO DAS LOCOMOTIVAS A VAPOR EM TRENS TURÍSTICOS
Quando se fala em trens turísticos, sempre atrelado a isso, surge a conversa do uso das Locomotivas a Vapor. Entendam o seguinte: Cia. Vale do Rio Doce, ABPF, ambas operadoras que usam Locomotivas a Vapor, têm um histórico de manutenção impecável de seus equipamentos, de forma personalizada. São tratadas quase que como idosos, com cuidados especiais e individualizados.

Diferente dos automóveis atuais, ou de qualquer máquina fabricada atualmente em linhas de produção, essas locomotivas eram fabricadas de forma quase artesanal. E se você que ainda discorda de alguns pontos abordados ou debatidos, mas nunca trabalhou em uma oficina e não sabe bem nem o que é um torno mecânico ou uma linha de produção, por favor, “¿Por que no te callas?” como disse no passado o Rei da Espanha ao Hugo Chaves.
Mantê-las não é algo simples, não se vai à esquina comprar uma peça que deu defeito, nem existem peças padronizadas fabricadas em linhas de produção para essas máquinas. Não se chega nas lojas de peças pedindo a peça X para a locomotiva Y fabricada em ano Z. Não é assim.
E não coloquem o nome do Bruno Sanches nesse rolo, as oficinas que ele gerencia na ABPF já têm sua própria demanda, e não podem do nada parar para atender requisições externas.
Além disso, as locomotivas brasileiras, principalmente as de propriedade da E.F. Leopoldina eram muitas vezes tratadas como sucata, não tendo manutenção adequada, quando muito era na base do arame e esparadrapo. Várias delas, as de propriedade da Sorocabana inclusive, depois que já não tinham mais condições de uso, eram vendidas para usinas de açúcar e ainda operavam anos, sabe-se lá Deus como.

E são algumas dessas máquinas que muitos defensores dos Trens Turísticos querem fazer voltar a funcionar, sem saber responder à “pergunta de um milhão de reais”:
· • Quem vai manter, e como? • ·
Não existem ou são bastante difíceis encontrar os desenhos originais para eventual fabricação de peças e, novamente lembrando, não se compram peças assim em qualquer lugar.
TREM TURÍSTICO DE MIGUEL PEREIRA
Recentemente algumas pessoas convenceram o Superintendente do SESC-MG a doar uma locomotiva que operava no SESC de Grussaí para a prefeitura de Miguel Pereira operar um trem turístico. Nesse caso nenhum dos ditos “Bonzistas” envolvidos no projeto eram Engenheiros Mecânicos ou têm algum conhecimento profundo sobre manutenção de Máquinas a Vapor, ou mesmo de gestão empresarial. E ferrovia, como sempre dito diversas vezes em nossas postagens, “Ferrovia é um negócio”. Lembrando ainda também que os responsáveis por essa “brilhante” ideia provavelmente nunca operaram um empreendimento turístico e/ou não conhecem os parâmetros para definição se um atrativo é viável ou não, sendo assim tudo indica que o processo não foi feito como deveria.

Sobre essa “doação” pode-se levantar uma questão, deliberadamente ou não, omitida por quem participou dela: essa locomotiva era um patrimônio do SESC de Grussaí, comprada com recursos dos comerciários. Que servia anualmente a milhares de pessoas frequentadoras do SESC de Grussaí, comerciários que, com sua contribuição financeira, participaram da compra desse patrimônio. Pois bem, alguém perguntou a eles sobre essa “doação”? Eles foram consultados?
Sem querer ofender ninguém, mas essa “doação” não parece um “confisco”?
Aparentemente, a “doação” dessa locomotiva serviu apenas para satisfazer a vaidade de alguns. E no meio ferroviário infelizmente também existem muitas vaidades, como em diversos aspectos da convivência humana…

Existe um canal no Youtube chamado Aero, que conta fatos e curiosidades da aviação. O autor tem enorme curiosidade de saber a reação de militares administradores do MUSAL – Museu Aeroespacial, se aparecesse algum “jenio” requisitando doação de aeronaves antigas existentes no MUSAL para colocar em alguma praça de alguma cidade.
Abaixo, um vídeo de uma aeronave com mais de 120 anos, idade próxima à da locomotiva “doada” para Miguel Pereira, e como ela é cuidada.
A primeira licitação feita pela Prefeitura de Miguel Pereira, para que alguém se habilitasse a operar a locomotiva, fracassou como esperado e, como agora tudo é culpa da Covid-19, tendo certamente sido essa a responsabilidade atribuída pelo fracasso da licitação.
Não foi citado que a modelagem não era a ideal, que muitas pessoas, incluindo nós, avisaram que não iria dar certo, que existiam diversos equívocos, isso tudo é detalhe que certamente ninguém comentará.

Sobre o Trem Turístico de Miguel Pereira, uma informação pertinente: os estudos necessários para implantação de um projeto de mobilidade possivelmente não foram feitos a contento, demonstrando aparentemente um certo amadorismo dos responsáveis. Aproveitamos abaixo para citar uma postagem nossa, uma cartilha de mobilidade, onde são relacionados os estudos necessários para um projeto de mobilidade. Qualquer um!
Será que o Sr. Prefeito de Miguel Pereira tem ou teve acesso a esse conjunto de informações?
CONCLUSÃO
Temos parada no município de Miguel Pereira uma Locomotiva a Vapor que funcionou durante anos dentro do Sesc de Grussaí, um parque fechado onde, quando a Locomotiva dava defeito, e às vezes realmente acontecia, ela era parada para conserto e as pessoas iam em busca de outros atrativos.
Algumas perguntas sem resposta, no caso de Miguel Pereira:
- Quem vai consertar?
- Quem vai operar?
- Quem vai produzir peças?
- Quem vai rebocar?
Onde a Locomotiva vai ser guardada? Afinal, até o momento está exposta ao ar livre, o que não acontecia em Grussaí. É pouco provável que funcionários do Sesc de Grussaí queiram se mudar para Miguel Pereira, que fica a mais de 150 km de distância. Existe a possibilidade de se alugar ou mesmo utilizar, mediante desapropriação, instalações próximas à Governador Portela para a instalação das oficinas e abrigo para os equipamentos. Mas até que isso aconteça, se acontecer, um bom tempo irá se passar…

Um dos responsáveis pelo projeto, inclusive, propôs que a FAETEC ministrasse cursos para operação e manutenção dessa locomotiva. Mas, por acaso, quem deu essa ideia sabe que em Miguel Pereira não tem FAETEC? Sabe que a FAETEC mais próxima fica em Três Rios, a 65 km de distância? E, além disso, quem vai dar aula?
Seu Santoro, amigo ex-resgatista e nosso consultor, que está com mais de 80 anos, não parece ter condição física ou disposição de sair de Cataguases para dar aulas em Miguel Pereira. O mesmo pode se aplicar aos funcionários do Sesc de Grussaí. Pois a manutenção de máquinas centenárias como uma locomotiva a vapor não é simples, é um conhecimento que poucos têm, não existem manuais, e esse conhecimento é transmitido praticamente como as tradições judaicas de “boca a ouvido”.

Se alguém puder responder de forma coerente às perguntas formuladas, agradecemos. E nos desculparemos por qualquer injustiça.
Como sempre dizemos: ferrovia é um negócio bem diferente de uma rodovia. Portanto, quem nunca na vida assinou pelo menos uma carteira de trabalho não deveria dar opinião na modelagem de um negócio, que é a ferrovia.
Tínhamos um patrimônio histórico que funcionava a contento, tirado de local adequado para atender às vaidades de alguns. Uma senhora de 128 anos tirada de seu descanso e passeios muito bem acompanhados.
Será que agora o leitor entende os motivos do fracasso do retorno das ferrovias e do fracasso devido à elaboração de projetos mirabolantes?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vamos deixar claro que apoiamos ações para o retorno do trem, seja de passageiros ou turísticos, mas dentro das nossas convicções:
· • Propostas tecnicamente perfeitas e economicamente viáveis • ·
No caso específico de Miguel Pereira, são mínimas, aparentemente, as possibilidades de isso acontecer. Dificilmente algum empresário vai embarcar em tal projeto, a menos que tenha muitas facilidades e subsídios.
UPDATE de Última Hora: Esse artigo foi publicado originalmente em 2021, e de forma impressionante observamos que a maioria das informações prestadas aqui são extremamente atuais. A única diferença foi a inauguração de uma unidade da FAETEC em Miguel Pereira.
O Trem turístico opera, mas é deficitário e recentemente majorou a passagem para poder equilibrar as contas. Nenhum estudo mais aprofundado foi feito para a implantação do Trem, assim como algum estudo detalhado de viabilidade técnica e econômica foi feita por empresas qualificadas. Quem se der ao trabalho de ver a Licitação 02.2020 da Prefeitura de Miguel Pereira verá a primeira licitação para a operação do Trem e o amadorismo da forma como foi feita.
Prevemos o futuro. Trilhos do Rio agora também prevê o futuro, quem diria.
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Agradecemos a leitura, até a próxima!
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