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✍️ Mozart Rosa, Daddo Moreira, Felippe Ribeiro, Rodrigo Sampaio, e com informações de Infomoney e Automotive Business
📅 24/02/2023
🕚 12h00
📷 Calmatters




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INTRODUÇÃO

Olá, amigas e amigos. Hoje falaremos de um projeto muito comentado há alguns anos, mas que voltou à tona recentemente: o TAV no Brasil. TAV é um acrônimo de Trem de Alta Velocidade, sendo no Brasil mais conhecido e citado pela expressão “Trem-Bala”. Apesar de testes serem feitos há muito tempo, desde o começo do século XX, com sistemas alcançando e ultrapassando os 200 km/h, o primeiro sistema em definitivo foi construído no Japão, o famoso e icônico Shinkansen, com composições de 12 e até 16 vagões/carros de passageiros, propiciando o acesso à população nos trens de alta velocidade em grande escala.

Shinkansen. Fonte: Time Out

Com o passar dos anos, outros países construíram seus próprios sistemas, como o TGV (França), ICE (Alemanha), Alvia e ACE (Espanha), dentre outros. No Brasil, há anos um projeto neste sentido é comentado, planejado e anunciado, também não é de hoje, mas todos os projetos foram cancelados ainda no papel.

Recentemente, foi ventilada a intenção e proposta de ressuscitar o projeto, agora de forma diferente das últimas vezes. Mas será que o projeto foi melhorado? Será que é pior? Há chances de sair do papel?

Confiram neste artigo exclusivo e especial toda a verdade e detalhes, alguns até inconvenientes, sobre este projeto que é simultaneamente uma solução e um problema. Os motivos? Convidamos você para descobrir isso ao ler este texto: desde já desejamos uma excelente leitura!


ATENÇÃO! COMUNICADO IMPORTANTE!

Todos têm o direito de escolha, preferências e opiniões. Os sujeitos e cargos políticos citados aqui e em qualquer artigo publicado pela AFTR não têm por intenção denegrir ou elogiar político “x” ou político “y”. E se pensarmos bem, chega a ser até certo ponto uma ignorância haver disputas e intrigas pessoais por políticos, futebol, religião e outros temas de caráter pessoal: estes são os meios, não o fim. E se pensarmos mais ainda e de forma mais profunda, principalmente no meio de transportes, uma obra de ferrovia é demorada, portanto, dificilmente vai ser concluída em um ou dois mandatos consecutivos em determinado cargo. Então depende-se em primeiro lugar de boa vontade política, em segundo lugar de visão política de futuro (pois se começar a obra poderá talvez não a inaugurar) e por último (mas não apenas) e é o mais digno: enxergar os benefícios e saber que foram iniciados e levados à população no futuro mediante uma iniciativa própria. Muito outros fatores poderiam ser citados, mas não vêm ao caso no momento.


TAV BRASIL E HISTÓRIA RECENTE

Voltando um pouco na história, podemos citar algumas intenções de se construir sistemas de Trens de Alta Velocidade (acima de 250 km/h) ligando diversos pontos do país. O mais comentado e que chegou a ser cogitado foi o trecho Rio de Janeiro – São Paulo – Campinas. Todavia também foram considerados e estudados os trechos Brasília – Goiânia (podendo ser em média velocidade, entre 150 e 250 km/h), Belo Horizonte – Curitiba (divulgado em 2008 e constando no Plano Nacional de Viação) e Campinas – Triângulo Mineiro, a ser implementado após a conclusão do trecho Rio de Janeiro – São Paulo – Campinas.

Fonte: Ferreoclube

Este trajeto citado por último, e o mais recente até poucos meses atrás, foi cogitado durante o governo Lula, quando o TAV foi pensado ainda em 2004, logo no início do primeiro mandato. A ideia era conseguir um trem que desafogasse a ponte aérea entre as duas capitais, além de fornecer uma opção moderna e mais ágil de transporte. Além disso, este plano inicial previa ser a solução pronta para a Copa do Mundo de 2014. Após algumas idas e vindas burocráticas, incluindo estudos de viabilidade técnica, econômica e financeira coordenados pelo BNDES, a primeira licitação do projeto aconteceu em julho de 2010. Durante o evento de lançamento do edital, Lula disse acreditar ser possível que a obra estivesse concluída para as Olimpíadas de 2016.

Fonte: Via Trolebus

O edital, porém, era ambicioso demais, tornando-se pouco atraente para o mercado, pois previa uma única concessão pública para a realização de quatro serviços: construção, operação, manutenção e conservação do TAV. E, como diz o ditado, “quem tudo quer, nada tem”. E além da complexidade, o projeto também tinha outros dois problemas: o alto custo (R$ 34 bilhões) e o fato de que 2010 era ano de eleições. A iniciativa privada estava receosa de entrar no projeto sem saber se o próximo presidente seria a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, ou seu adversário, José Serra, do PSDB. Esse costume de atrelar grandes e importantes obras aos mandatos executivos é fatal para as ferrovias…

Fonte: G1

Além disso, havia uma certa polêmica pelo edital exigir experiência na operação, o que excluiria os chineses na época. Posteriormente, um escândalo na Europa, que teve desdobramentos no Brasil (veja mais abaixo), excluiria até mesmo as europeias DB e a SCNF de operarem o sistema. Por falta de interessados, a ANTT adiou o leilão do edital duas vezes. Quando este finalmente aconteceu, em julho de 2011, nenhuma empresa apareceu. Contudo, Dilma venceu a eleição, sagrou-se a primeira presidente mulher do Brasil e deu prosseguimento ao projeto.

Ice, o Trem de Alta Velocidade da Alemanha. Fonte: Rail Europe.

Entretanto, o fracasso do primeiro edital fez com que o documento fosse repensado: agora, a concessão seria feita em três etapas: a primeira seria para escolher a empresa operadora e a tecnologia utilizada, a segunda seria para a elaboração do projeto das obras civis, as quais ficariam a encargo do Estado, e a última seria para executar todas as obras de infraestrutura do TAV, as quais agora também ficariam sob responsabilidade do Estado.

Trem de Alta Velocidade na China. Fonte: Yicai Global

O segundo edital foi publicado em dezembro de 2012, com previsão de leilão para setembro de 2013. Entretanto, em agosto daquele ano, o governo decidiu adiar novamente o processo. O motivo oficial foi que, naquele momento, apenas uma empresa havia se mostrado interessada, sendo que Dilma desejaria ter mais de um projeto para analisar. Entretanto, já não havia mais tempo hábil para a obra ficar pronta para a Copa ou as Olimpíadas (nessa altura, a previsão era 2020), fator que também pesou bastante. E ainda havia o fato de que, em 2014, o Brasil teria novamente novas eleições presidenciais. Dessa forma, o adiamento de 2013 acabou sendo feito sem a previsão de uma data futura. Uma década se passou e o projeto acabou não andando de lá para cá.

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PEDRAS NOS TRILHOS DO TAV

Para piorar a situação, em paralelo, iniciou-se uma investigação e foi descoberto um esquema bilionário investigado pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e denunciado pelo Ministério Público em 2012: o cartel do Metrô de São Paulo. As empresas envolvidas no cartel combinavam previamente condições e preços para participar de licitações públicas, de modo que entravam nos leilões já sabendo quem seria a vencedora. As perdedoras, então, eram subcontratadas pela vencedora ou ganhavam preferência em licitações futuras. Pelo menos 27 licitações foram suspeitas de terem sido fraudadas, somando 9,4 bilhões de reais em contratos.

TGV, o Trem de Alta Velocidade da França. Fonte: Lufthansa City Center

Várias das empresas envolvidas no cartel haviam demonstrado interesse em participar da licitação do TAV, como a francesa Alstom (apontada como líder do esquema), a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, além da Siemens. Tudo isso também contribuiu para o adiamento do edital do TAV.


A EPL, EMPRESA DO TREM-BALA

A Empresa de Planejamento e Logística (EPL) foi fundada em 2011 por Dilma Rousseff para substituir a ETAV, primeira estatal criada para desenvolver o Trem de Alta Velocidade (TAV) no Brasil. A função da EPL, presidida por Bernardo Figueiredo, seria mais ampla: realizar pesquisas e coordenar investimentos para subsidiar não só o TAV, mas também outras obras e operações de transporte no Brasil.

Fonte: Cimento Itambé

Carismático e apaixonado pelo TAV, Figueiredo chegou a ser perfilado na revista Isto É e apontado como “o homem de 133 bilhões de reais”, valor estimado de todos os projetos que iria capitanear na EPL. Sua presença na mídia e suas manobras nos bastidores para tirar o TAV do papel mantinham o projeto vivo, tanto no governo como na boca do povo.

Tudo falhou quando, em agosto de 2013, Figueiredo declarou ao jornal O Globo que o trem-bala custaria aos cofres públicos R$ 1 bilhão até 2014, sendo que 90% desse valor seria destinado apenas para o projeto executivo. O ministro dos Transportes veio a público desmentir a informação e a relação entre Figueiredo e Dilma – de quem ele havia sido assessor de logística quando ela era ministra da Casa Civil – azedou.

Percurso e estações do projeto anterior do TAV. Fonte: Wikipedia

Figueiredo então pediu demissão e saiu da EPL no mesmo ano. Com seu afastamento, a presença do TAV na mídia e a empolgação com o projeto esvaneceram.


MAIS E MAIS PEDRAS. E NÃO ERA BRITA

Para piorar ainda mais a situação, em 2013 ocorreu a “revolta dos 20 centavos”, quando mais de um milhão de brasileiros saíram às ruas de 130 cidades do país para protestar contra o governo. No entanto, a resposta violenta da Polícia Militar às passeatas, principalmente na capital paulista, acabou inflando a importância e o significado dos protestos e assim, o slogan “não é só por 20 centavos” começou a ser proferido e passeatas foram organizadas em diversos estados.

Fonte: GlobalVoices

As demandas deixaram de ser apenas relacionadas ao transporte e passaram a abordar várias pautas, como segurança pública, educação e saúde. A aprovação do governo Dilma caiu de 57% para 30% naquele período, segundo institutos de pesquisa, enquanto o percentual de pessoas que considerava o governo como ‘ruim ou péssimo’ subiu de 9% para 25%


LENTAMENTE, O PROJETO FOI SAINDO DO FOCO

Somadas todas essas condições, o empenho do governo federal em construir o TAV foi diminuindo gradativamente até que o projeto entrasse em hibernação. Depois de 2013, muito pouco se falou sobre o TAV e nenhum governo declarou abertamente interesse no projeto. Em 2019, uma coluna do jornal Correio Braziliense relatou que Tarcísio Gomes de Freitas, ministro de Infraestrutura de Bolsonaro, teria interesse em reviver o projeto. O Ministério, contudo, negou a afirmação.

Fonte: Metrô CPTM

Dias depois, o colunista Ancelmo Gois, de O Globo, escreveu em seu espaço que empresas chinesas estariam interessadas em financiar o projeto, desde que houvesse garantias de que a obra seria finalizada. As negociações estariam em curso desde 2016. O colunista voltou ao tema ainda em 2019 para dizer que a retomada do TAV teria que “esperar um pouquinho”, uma vez que as concessões dos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont tinham prioridade. O governo não confirmou nem desmentiu as colunas.

Fonte: CGTN

Construir um TAV entre as duas maiores capitais do Brasil não se trata como ocorreu em muitos países, de se fazer apenas a reforma de linhas existentes, mas sim da construção de uma nova linha, que vai atravessar a serra do Mar. Se Cristiano Ottoni ao construir uma ferrovia por adesão direta precisou fazer inúmeras curvas, construir inúmeros tuneis, em uma tarefa extenuante, mas gloriosa, o que esperar de uma linha que, necessariamente pela velocidade com que os trens vão trafegar, vai precisar ser mais retilínea, exigindo a construção de ainda mais tuneis e obras de arte e infraestrutura?


O RETORNO DO TAV

Até poucos dias atrás, o projeto do “trem-bala” brasileiro seguia morto e enterrado. Os R$ 34.000.000,00 estimados do primeiro edital, corrigidos pela inflação, seriam hoje R$ 82.000.000.000,00, suficiente para construir mais de 80 km de linhas de metrô. Entretanto, eis que o TAV ressuscita dos jazigos dos projetos não implementados, repaginado!

O que este novo projeto tem a nos dizer?

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) autorizou recentemente a empresa TAV Brasil a construir e explorar o sistema entre São Paulo e Rio de Janeiro pelos próximos 99 anos. A outorga foi concedida pela ANTT após pedido da TAV Brasil Empresa Brasileira de Trens de Alta Velocidade SPE ltda, uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada em fevereiro de 2021, que tem um capital social de R$ 100 mil. O processo foi iniciado em fevereiro de 2022, ainda na gestão Bolsonaro, mas a ANTT e a EPL demoraram para analisar a proposta.

Fonte: Sistema Eletrônico de Informações. Informações completas neste link.

O pedido da TAV Brasil só foi possível graças à mudança na legislação feita em 2021 pelo então presidente, Jair Bolsonaro (PL), e pelos ex-ministros Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), que atualmente é governador de São Paulo. O modelo de autorização permite à iniciativa privada assumir todos os riscos da construção e operação do projeto, sem a interferência do poder público. Isso significa ainda que a empresa é responsável por todo o investimento necessário para a construção do trem-bala e pela sua operação, sem a necessidade de pagar uma outorga ao governo. Já o modelo de concessão é controlado pelo poder público e prevê a transferência de parte dos riscos e investimentos para o governo, em troca do pagamento de uma outorga pela empresa concessionária, modelo que foi baseado o projeto anterior.

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Contudo, nada disso garantirá que o TAV seja construído: após a assinatura do contrato pela ANTT, a TAV Brasil terá 30 dias para assinar o contrato de adesão. Caso não o faça, a deliberação da ANTT poderá perder eficácia e o processo de autorização será arquivado.


QUESTÕES A SEREM RESOLVIDAS

Segundo Rodrigo Sampaio, nosso consultor em projetos e engenharia, o atual projeto é tão ineficaz ou até pior do que o anterior. Primeiro porque manteve tudo que estava de errado e precisava ser corrigido. Dentre alguns pontos, o fato de a ferrovia passar por mais de vinte municípios e não ter estação em nenhuma delas é algo a se considerar. Apesar de ser um projeto de percurso em alta velocidade, um sistema de alternância entre serviços paradores e expressos, com passagens em alguns pontos e estações, seria interessante para atrair mais demanda, visto que a região do Vale do Paraíba, por onde o trem passaria, possui mais de 3 milhões de habitantes apenas no entorno da linha projetada.

Fonte: TAV Brasil

As 4 estações sugeridas no projeto atual foram muito mal localizadas: o trem sairia de Santa Cruz, bairro na zona oeste do Rio de Janeiro, pararia em Volta Redonda-RJ (a vários quilômetros de distância do Centro da cidade), depois em São José dos Campos-SP (também em um ponto distante do Centro) e finalizaria seu percurso em Pirituba, no noroeste da cidade de São Paulo, não indo mais a Campinas-SP.

As quatro estações ficam muito mal localizadas. Volta Redonda e São José dos Campos serão muito afastadas dos centros urbanos, reduzindo a atratividade delas. Em São Paulo não há conexão com CPTM nem Metrô mesmo cruzando ou tangenciando linhas (como a Linha 12 próximo de Eng Goulart). Mas apesar do traçado estranho e provavelmente atravessar áreas com alto impacto ambiental em Itaguaí, não acho ruim chegar no Rio por Santa Cruz. O problema é a estação principal ser na ponta do sistema em vez de ir para algum hub da cidade (como Deodoro ou Madureira) – comentou Rodrigo Sampaio, consultor em projetos.

Ainda de acordo com Rodrigo, com esses fatores, o TAV só retiraria passageiros da ponte aérea e dos ônibus se o preço das passagens fosse muito baixo. Além de ter um custo de implementação muito elevado porque, sem atender às cidades no caminho, as prefeituras exigirão contornos e compensações. Além disso, apenas foi considerada a demanda ponta a ponta, sem considerar a demanda local e regional, que ajudaria a sustentar o sistema sem o trecho São Paulo x Campinas do projeto anterior, que era o trecho de maior demanda na época. Também não foi sugerida a possibilidade de usar o TAV para transporte de cargas leves (sedex e serviços de entrega, por exemplo) que hoje são quase exclusivamente feitas por via aérea.


OUTRAS QUESTÕES TÉCNICAS

Segundo alguns comentários sobre o projeto, existiria outra solução: hoje temos uma ferrovia que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, em bitola larga (1600mm) e que é quase em sua totalidade utilizada para transporte de cargas. Este transporte, por sua natureza, não tem tanta pressa em chegar ao seu destino, por isso o tráfego é relativamente lento nesta operação (lembrando que existem prazos para entrega destas cargas, evidentemente). Neste sentido, parece ser mais viável construir linhas para um trem de média velocidade (de 150 a 180 km/h) onde fosse possível, e aonde não fosse, que se compartilhasse tráfego com os trens de carga em um curto período. Além disso, um detalhe bastante relevante no projeto anterior, que foi suprimido neste atual, é a possibilidade da estação terminal no Rio de Janeiro ser em Barão de Mauá, que de forma vergonhosa e absurdamente ainda se encontra abandonada.

Estação Barão de Mauá. Fonte: Agência Brasil

Contudo, há de ser analisado que não seria tão viável assim recuperar a Linha do Centro e o ramal de São Paulo da EFCB para o transporte ponta a ponta (Rio x São Paulo) por ser um trajeto sinuoso e ter geometria relativamente antiquada para o padrão desse serviço de alta velocidade. Trens modernos, como o sistema pendular utilizado em alguns países da Europa, poderiam ser adotados e adaptados, mas o custo talvez fosse muito elevado para possibilitar trens a mais de 150km/h que, ainda assim, só seriam competitivos com os ônibus. As despesas com cortes, terraplanagem, novos túneis e desapropriações deixariam o projeto possivelmente tão caro quanto construir vias novas do zero. E tem outro grande complicador: a concessão da MRS, responsável pela operação ferroviária de cargas neste trecho.

Fonte: LogWeb

Modernizar e construir vias para possibilitar transporte de passageiros na linha da Estrada de Ferro Central do Brasil seria muito útil para transporte local (urbano) e alimentar o TAV com serviços regionais como o “Barrinha” que fazia o trajeto Japeri – Barra do Piraí até 1996, o trem de Mangaratiba, um trem no trecho Resende – Volta Redonda – Barra Mansa – Barra do Piraí, entre outros serviços específicos. No lado paulista, o traçado tem outras questões e não atenderia tão bem.

Por outro lado, a questão da bitola internacional (1435mm) também pode ser problemática pela interoperabilidade. Se fosse bitola larga (1600mm) poder-se-ia usar trechos já existentes enquanto fazem as obras mais complexas na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo (poderia usar a Linha Auxiliar para chegar na Leopoldina), e aproveitar o leito ferroviário já existente para a construção de vias extras.


E AS TARIFAS?

Nesta questão o ideal é que fosse um valor similar aos serviços de ônibus e aos das companhias aéreas (lembrando que o principal modal concorrente aos trens seriam diretamente os ônibus, devido às distâncias e extensão territorial do Brasil), portanto um valor estimado seria em torno de R$ 150,00 a R$ 250,00 para uma viagem que teoricamente poderia ser feita em 1 hora e meia ou 2 horas (os ônibus levam por volta de 5 a 6 horas para fazer o trajeto em condições normais). Mas só o trajeto Rio x São Paulo não teria demanda suficiente para manter o serviço: pelos estudos de 2010, com o cenário de crescimento que se tinha naquela ocasião (crescimento que acabou não se concretizando), só depois de 2035 que a demanda Rio x São Paulo seria suficiente para ter lucro operacional. Isso também é um fator contra a viabilidade do projeto, pois não há demanda reprimida entre as capitais: como exemplo, temos o próprio setor rodoviário que possui uma taxa média de ocupação de “apenas” 60% entre as 9 empresas de ônibus que fazem a rota atualmente.

De antemão, e considerando os dados de 2011, teríamos que ter uma tarifa na faixa de R$ 500,00, considerando o IPCA do período mais uma taxa de ocupação de 100% para o projeto se tornar atrativo. Parece apenas uma proposta para atrair holofotes, até porque, por se tratar de uma autorização de construção/operação, ninguém entrará com 30/40/50 bilhões no que pode ser considerado uma verdadeira aventura – Felippe Ribeiro, consultor Trilhos do Rio.

E qual o usuário de avião que irá se deslocar em um trem da Supervia até Santa Cruz, tendo um aeroporto no Centro da Cidade, o Santos Dumont, que tem várias linhas de ponte aérea diárias? É só ver a situação do Galeão, hoje ilhado, que será a mesma coisa. O usuário do avião dificilmente migrará para o TAV, e o do ônibus tem a opção de ser mais barato e já se acostumou a fazer a viagem em cinco ou seis horas.

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QUEM SÃO OS INTERESSADOS NO ATUAL PROJETO?

A TAV Brasil é uma holding com três sócios: o advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves, a Global Ace Participações e Investimentos Ltda. e a Infra S.A. Investimentos e Serviços. Paulo Assis Benites é o representante legal da Global Ace, enquanto João Henrique Sigaud Cordeiro Guerra é identificado como administrador das duas empresas (Global Ace e Infra S.A.). De acordo com informações apuradas pelo site InfoMoney, a TAV Brasil agora irá buscar investidores para viabilizar o projeto após receber a autorização da ANTT. Contudo, a concessão não garante a construção do trem-bala, pois ainda há várias etapas que precisam ser cumpridas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As opiniões são divergentes entre algumas pessoas, mas analisando de forma imparcial os dois aspectos do assunto, temos o seguinte parecer:

Um projeto dessa envergadura poderia destravar o setor ferroviário no Brasil, trazendo “na marra” uma recuperação do sistema na totalidade, tornando necessário que se fizesse a recuperação de ferrovias que pudessem agregar a demanda de passageiros e cargas diretamente para o TAV, tornando o projeto mais atrativo, rentável e viável. Entretanto, apenas neste sentido poderia não haver viabilidade, visto que, geralmente, sistemas ferroviários de passageiros normalmente só se mantém com subsídio governamental ou com transporte de cargas em operação com o transporte de passageiros, utilizando a mesma via para ambos os serviços.

Por outro lado, um fracasso nesse projeto, após implementado, seria praticamente fatal para as ferrovias no Brasil. O volume de investimento é muito grande, e os prejuízos seriam imensos em uma situação negativa. “Pular etapas” pode ser muito perigoso, quando atualmente temos ainda trens de passageiros circulando em zonas densamente povoadas com velocidade média de 20, 30 ou 40 km/h, sem confiabilidade e sem horários satisfatórios. Pode-se perceber que antes deva ser interessante e mais prudente “colocar ordem na casa” para posteriormente alçar voos, com linhas em velocidades mais elevadas.

É óbvio que nós, defensores das ferrovias por termos a noção e consciência de que é um dos transportes mais eficientes que existem, em muitos aspectos, gostaríamos que um projeto assim fosse implementado. Mas temos que ser realistas, acima de tudo. Portanto, vemos que um TAV ou “Trem-Bala” ainda é um sonho distante, mas no momento distante há algumas horas de voo, pois existe na Europa ou na Ásia, para quem puder conhecer. Se é o momento para termos algo neste sentido, não se sabe exatamente, o tempo e novas propostas dirão, mas o que se pode afirmar com certeza é que existem questões bastante mais importantes para se preocupar no momento, tanto fora como dentro das ferrovias do Brasil.

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Autores

  • Mozart Rosa

    Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966, que testemunhou o desmonte da E.F. Cantagalo e diversas histórias da Ferrovia de Petrópolis. Se formou Engenheiro Mecânico pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral Trilhos do Rio no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de redator do site, assessor de contatos corporativos e diretor-técnico.

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  • Daddo Moreira

    Formado em Arquivologia, pós-graduado em Engenharia Ferroviária, técnico em TI, produtor e editor multimídia, webmaster e webdesigner, pesquisador e historiador informal. Foi presidente e é o atual coordenador-geral Trilhos do Rio.

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  • Felippe Ribeiro

    Graduado em Administração - MBA em Logística/Transporte - MBA em Finanças Empresariais - Especialista de Investimentos CEA® Anbima - Graduando em Ciências Contábeis (UFRJ). Experiência de 8 anos como Supervisor de Logística e há 13 anos no mercado financeiro. Membro Trilhos do Rio desde 2017, sua atividade se baseia em debates e pesquisas sobre mobilidade urbana, além do foco em manter viva a preservação da história ferroviária.

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  • Rodrigo Sampaio

    Professor de Matemática e especialista em Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto (UFRJ). Pesquisa mobilidade, clima urbano, desastres e resiliência. Membro Trilhos do Rio desde 2014, sendo consultor de projetos, e do coletivo Quero Metrô.

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