✍️ Daddo Moreira
📅 19/05/2023
🕚 12h00
📷 Foto de capa: Cais do Porto do Forno (colorizada por AI). Fonte: http://www.portodoforno.com.br/.
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Olá, Amigas e Amigos.
Atualmente o estado do Rio de Janeiro possui 92 municípios, e a maioria deles possui, ou já possuiu, algum sistema de transportes sobre trilhos ou rigidamente guiado em seu território. Conforme as pesquisas avançam, curiosidades e mistérios surgem, e novas informações são descobertas, muitas vezes surpreendentes. Um desses casos é na cidade de Paraty, na costa verde: até poucos anos o que se sabia é que nunca havia existido um sistema férreo na cidade, mas publicamos algo sobre o assunto no artigo abaixo:
As pesquisas continuam, como sempre, e em 2012 descobrimos e publicamos no nosso fórum de debates outro município litorâneo, desta vez na Região dos Lagos, que possuiu uma ferrovia muito pouco conhecida e divulgada: Arraial do Cabo.
Este é o tema do texto de hoje. Sejam muito bem vindos(as) a mais um artigo exclusivo da AF Trilhos do Rio, agradecemos a visita e desejamos uma excelente leitura!
REGIÃO DO SAL E DO SOL
Para contar essa curiosa história, precisamos voltar no tempo e falar um pouco sobre uma das principais fontes de renda na região, além do turismo: a extração de sal. Segundo o professor da rede municipal de ensino de Cabo Frio e pesquisador do LEHMT/UFRJ, João Christovão, a região de Perynas, situada próxima à Lagoa de Araruama em Cabo Frio, já era conhecida pelos povos indígenas nativos por sua capacidade natural de cristalização de sal, muito antes da chegada dos portugueses. Séculos mais tarde, em 1824, com o fim do Contrato do Sal que proibia a produção deste produto no Brasil, o empresário alemão Luís Lindenberg recebeu a posse das terras da região de Perynas e o direito de produzir sal nelas, concedidos por Dom Pedro I. Durante quase 180 anos, seus trabalhadores produziram milhões de toneladas desse mineral.

Após o falecimento de Luís Lindenberg, em 1850, sua fortuna foi herdada por seus descendentes. Os 109 escravos que ele possuía desempenharam um papel fundamental na construção e operação da primeira salina comercial do Brasil, além de contribuírem para o desenvolvimento de seu patrimônio que, infelizmente, não foi preservado em sua maioria pelos herdeiros.

Em 1891, a maior parte das terras de Perynas foi vendida ao Banco do Comércio e Indústria do Brasil e, posteriormente, em 1895, foi adquirida por José Caetano Jalles Cabral. Em 1923, José Cabral vendeu as terras ao seu genro, Miguel Couto, médico e professor de medicina. Apesar das dificuldades enfrentadas pela empresa e pela indústria salineira fluminense nas primeiras décadas do século XX, Perynas manteve-se produtiva e tornou-se a principal indústria salineira do país.

Em 1929, a empresa obteve o direito de utilizar o Porto do Forno, localizado em Arraial do Cabo, então ainda distrito de Cabo Frio. Esse direito permitiu o controle de toda a cadeia produtiva do sal, com o produto sendo transportado por uma pequena ferrovia até o porto, onde era embarcado em navios próprios da empresa.

Sob a presidência de Miguel Couto Filho, que posteriormente se tornaria governador do estado e senador, Perynas estreitou ainda mais suas relações com as esferas governamentais, conferindo ao sal o status de uma política de Estado. Durante a década de 1940, importantes acontecimentos marcaram esse período, incluindo a fundação do Instituto Nacional do Sal, a criação da Companhia Álcalis (empresa estatal produtora de barrilha, um material produzido sinteticamente em larga escala a partir principalmente do sal de cozinha), e o projeto de iodação do sal, apresentado por Miguel Couto Filho em 1948.

O TREM DE SAL E DE FOGO
Segundo relato de Reinaldo Martins Fialho e alguns habitantes antigos de Arraial do Cabo, quando o trem de transporte de sal chegava rebocando os vagões parecia até estar exausto, soltando vapor pelos lados como se estivesse respirando. O som que ecoava era assim: “café com pão, bolacha não, café com pão, bolacha não…”. E enquanto atravessava a comunidade de Arraial do Cabo, o trem ocasionalmente apitava como se estivesse chamando alguém, dizendo “apriiiigio”.

Ao chegar no Porto do Forno e soltar os vagões, a locomotiva seguia livre do peso para realizar as manobras e acelerava. O som que emitia era semelhante a: “sai da frente que te pego, se te pego te esbodego…”

Em Arraial do Cabo havia muitas casas construídas com pau-a-pique, seguindo o estilo das casas indígenas. O telhado era coberto com palha chamada tiririca, um tipo de capim serrilhado muito comum de se encontrar, com cerca de dois metros de altura, colhido em áreas úmidas da restinga.

O trem que transportava sal para o Porto do Forno em Arraial do Cabo funcionava a vapor, e as faíscas da madeira queimada na caldeira voavam, por vezes, e acabavam incendiando estas casas próximas à linha do trem. Na Rua Dom Pedro I, quase em frente ao antigo banco BANERJ, havia algumas casinhas que eram frequentemente atingidas pelo fogo do trem.

A água nesta época era escassa em Arraial do Cabo. As pessoas carregavam latas na cabeça dos poços artesianos mais próximos e esperavam o trem com um balde d’água na frente de suas casas. Caso alguma faísca caísse do trem sobre o telhado de palha, eles jogavam água para evitar incêndios. No entanto, o trem não seguia um horário fixo, então as pessoas costumavam deitar perto dos trilhos e encostar a orelha para escutar o trem se aproximando, a dois ou três quilômetros de distância. Quando ouviam o ruído nos trilhos, saíam gritando: “o trem está chegando, o trem está chegando!”. Então, pegavam o balde d’água e se dirigiam para a frente de suas casas.

Em 2012, durante nossas pesquisas, encontramos algumas informações diferentes sobre as épocas, a ferrovia e as empresas de exploração de sal:
- Lei 157 de 18 de novembro de 1894: autoriza a construção de uma estrada de ferro, partindo da Praia do Forno, na enseada dos Anjos; e se dirigindo à Ponta das Perinas, na Lagoa de Araruama, com ramais para o centro de Cabo Frio e para a ponta de Massambaba e com sub-ramal para a Ponta da Costa.
- Inicio da construção da extensão a partir de Rio Bonito (Linha do litoral da EF Leopoldina) para Cabo Frio, 01 de maio de 1891.
- Concessão de burgos agrícolas à companhia Estrada de Ferro Cabo Frio, em 13 de setembro de 1890.
- Inicio da construção da ferrovia entre as salinas Perinas e Cabo Frio, em 02 de novembro de 1929.
- Pedido de concessão à Torquato Sá Pinto de Magalhães, para construção de uma ferrovia ligando Cabo Frio a Macaé, em 1890.
- Publicidade de uma empresa de Cabo Frio, dizendo fornecer Cal para a companhia Estrada de Ferro Cabo Frio, em 03 de agosto de 1890.
- Constituiu-se a companhia Estrada de Ferro Cabo Frio, em 24 de fevereiro de 1917, ligando a Praia do Forno ao Porto de Perinas.

Entretanto, o que se sabe ao certo, é que esta ferrovia chegou a atender também a Companhia Álcalis e durou algumas décadas, sendo desativada e substituída pelo transporte através de caminhões. Por sua vez, a Companhia Salina Perynas durou até o começo do século XXI, sendo infelizmente também desativada. Atualmente encontra-se abandonada, assim como o bairro que existia nos arredores da indústria, sem nenhum habitante mais residindo na região.

MAIS MISTÉRIOS FERROVIÁRIOS EM ARRAIAL
Há alguns anos mais uma curiosidade das ferrovias em Arraial do Cabo veio à tona: um carro de passageiros foi “descoberto” no quintal de uma propriedade particular. Comentava-se na internet que seria um projeto temático que, infelizmente, não foi à frente: o proprietário do imóvel teria adquirido este vagão com a intenção de abrir um restaurante, lanchonete ou empreendimento similar.

No ano de 2019 e 2023 o atual Diretor do Departamento de Pesquisas e Projetos Trilhos do Rio, Daddo Moreira, esteve na região e realizou pesquisas em campo em busca de informações sobre os dois assuntos citados neste artigo: a ferrovia da Companhia Perynas, e este vagão (carro) de passageiros mencionado logo acima.
Infelizmente, mais recentemente, pôde-se perceber que este material rodante encontra-se em situação cada mais vez próxima do imprestável, bastante degradado e mal conservado, principalmente por ser de madeira e estar sem nenhum tipo de proteção, exposto ao ar livre. Tentamos contato com alguém na residência, que segundo consta pertenceria à família Baltazar, mas apesar de todas as tentativas chamando alguém, batendo palmas ou pedindo informações com vizinhos, não foi possível obter maiores informações sobre o assunto.
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