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✍️ Mozart Rosa
📅 26/07/2020
🕚 16h00
📷 Locomotiva da LR, em Petrópolis




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Em diversos textos por nós publicados sempre damos ênfase ao fato do que é necessário para que o setor ferroviário no Brasil efetivamente deslanche: retornar ao “padrão” operacional da Leopoldina, devidamente modernizado. Não se trata de nenhum saudosismo juvenil, mas o reconhecimento de que o “Padrão Leopoldina” foi algo eficiente, lucrativo, e que por conta, dentre outras coisas, da Guerra das bitolas (que em futura série de postagens ainda explicaremos) desapareceu sem deixar saudades. Mas deveria.

A EF Mauá, primeira ferrovia do país, foi uma das ferrovias assumidas e operadas pela EF Leopoldina. Na foto, o centenário de inauguração da citada e pioneira Estrada de Ferro. Fonte: Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional (30-04-1954)

 

Na disputa entre o “Padrão Leopoldina” e o “Padrão EFCB¹”, o segundo ganhou a queda de braços. Muito mais por questões políticas do que práticas.

¹Lembrando: EFCB = Estrada de Ferro Central do Brasil.

Para entender melhor isso, vamos entender um pouco de história: as máquinas a vapor surgiram na Inglaterra a partir de concursos realizados com esse objetivo específico: desenvolver um veículo capaz de substituir a tração animal no transporte de minério de ferro e carvão. No Brasil, ao pedir a Mauá que construísse uma ferrovia, D. Pedro II visava a interiorização do Brasil e não o transporte de granéis como na Inglaterra. Não tendo granéis para transportar, Mauá ao construir sua ferrovia visou outros produtos, afinal o Brasil na ocasião ainda não tinha a vocação de exportador de minérios que tem hoje e, na época, tais reservas ainda nem tinham sido descobertas. Em essência, o Brasil daquela época era um país agrícola.

A partir daí, Mauá explorou outros nichos, como passageiros e carga geral, e cria um padrão, posteriormente usado por todas as ferrovias construídas posteriormente. Esse padrão, que nós aqui chamamos de “padrão Leopoldina” foi usado em outras ferrovias e durou mais de 80 anos. Caracteristicamente seriam composições pequenas com no máximo 6 vagões, locomotivas a vapor de baixa potência, e todo tipo de carga possível e imaginável existente nas localidades por onde passava. Louças e metais sanitários, materiais de construção em geral, laticínios e produtos agrícolas, tudo era transportado.

Pátio de Praia Formosa*, com vários vagões de carga geral estacionados. Fonte: Arquivo Nacional.

 

Como já explicado anteriormente, isso foi fundamental para o desenvolvimento de cidades do interior do Brasil, especialmente do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Sacos de produtos transportados pelos trens da EF Leopoldina. Fonte: Arquivo Nacional.

 

Uma curiosa informação sobre as locomotivas a vapor importadas para uso no Brasil e desconhecida pela maioria: à medida que se desenvolve o setor ferroviário na Inglaterra, centro de desenvolvimento tecnológico do setor naquela época, as locomotivas foram ficando maiores, mais potentes e mais sofisticadas. Mas as locomotivas adquiridas pelas empresas brasileiras continuavam sendo as de pequeno porte e sem acessórios, pois isso mantinha a lucratividade de nossas empresas ferroviárias.

VEJA TAMBÉM  A Guerra das Bitolas (5 – final): Nos dias de hoje
tracionados por locomotivas a vapor saindo do pátio da estação de Barão de Mauá. Do lado direito, pode-se ver a estação Francisco Sá, da EF Rio d’Ouro. Ainda nas décadas de 1950 e 1960, ainda era comum o uso de antiquadas e defasadas locomotivas a vapor no transporte de passageiros e cargas. Fonte: Arquivo Nacional.

Comparativamente, começamos a operar com locomotivas que, fazendo uma analogia com o mercado automotivo, seriam o antigo Gol apelidado de Gol Bolinha. Veículo sem acessórios e motor 1.3 de baixa potência. Enquanto o mercado inglês já disponibilizava locomotivas de maior potência, principalmente para atender ao transporte de Carvão e Minério de Ferro, com composições cada vez maiores, mantínhamos nossa frota com locomotivas menores. Novamente, fazendo uma analogia, seria o antigo Gol GT cheio de acessórios com motor 1.8.

Uma locomotiva a diesel Classe C, fabricada na década de 1940, tracionando um trem de carga na Inglaterra. Fonte: Ben Brooksbank / Up Class C fitted freight south of Tring with the pioneer SR diesel.

 

A partir da década de 1930 com a encampação de várias empresas em situação ruim pelo Estado, mas que devolvidas para o empresariado poderiam ter a chance de voltar a dar lucro, a situação dessas empresas muda, pois passam a ser cabides de emprego e moeda política usada por Getúlio Vargas, iniciando ali a lenta e pouco perceptível decadência do setor, lembrando que a maioria dessas empresas eram de bitola métrica. Começa ali a lenda de ineficiência da Bitola Métrica.

Uma rara imagem mostrando um viaduto sobre a ferrovia em Manguinhos, próximo à estação. Notam-se quatro linhas, ainda em bitola métrica. Este viaduto foi demolido posteriormente para o desastroso alargamento da bitola e eletrificação do trecho. Foto: Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional.

 

A partir do final da década de 30 com a descoberta das primeiras jazidas de minério de ferro e posteriormente a partir da década de 40 com a criação da Companhia Vale do Rio Doce, o Brasil passa a ser um exportador de minério de ferro e a partir daí se cria o “Padrão EFCB”. Isso ocorreu por um tremendo acaso, pois as primeiras jazidas de minério ficavam próximas às linhas da EFCB, que lá no início, precisou apenas construir alguns ramais. Com isso a EFCB, que até então usava no seu transporte o “Padrão Leopoldina”, cria o seu padrão operacional, o “Padrão EFCB”, composições com muitos vagões, adequadas para transporte de granéis, começando a usar intensivamente algo até então inédito no Brasil: o uso de vagões Gôndola e vagões Prancha.

Vagão Gôndola. Fonte: GMBX

 

Vagões-prancha transportando contêineres Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2018

 

A EFCB, começa a ter polpudos lucros com o transporte de minério de ferro, e passa então a dar as cartas no setor ferroviário, cria-se ali a mítica de que a bitola larga era “melhor”, informação passada por gerações e que com o tempo virou verdade, sendo tese defendida ferrenhamente não apenas em fóruns de aficionados, mas tese defendida em diversas instituições de ensino.

 

Uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade
Joseph Goebbels

 

Mais uma vez lembrando que na África do Sul, outro grande exportador de minério de ferro, se usa bitola métrica.

Observem o texto abaixo da GE, fabricante de locomotivas, e escrito certamente por algum assessor de imprensa. Vejam o tom como a Bitola métrica é tratada, quase com desdém. Mais um exemplo de como a Bitola métrica é vista.

VEJA TAMBÉM  A obscura Parada km 10 da EF Leopoldina

https://gereportsbrasil.com.br/locomotivas-digitais-para-um-novo-rumo-no-brasil-4b4c24d9ea67

Começa no setor uma dicotomia causada pelo resultado das empresas, A EFCB, cada vez tendo lucros maiores, e as outras empresas anteriormente encampadas por Vargas, com prejuízos cada vez também maiores. Essas informações estão todas documentadas. Basta pesquisar antigos balanços da EFCB, ou relatórios do antigo DNEF, que apontavam prejuízo generalizado nas ferrovias encampadas pelo estado e os enormes lucros da EFCB. A Criação da RFFSA em 1957 acirrou ainda mais essa disputa nada técnica, e sim política, onde egressos da EFCB e da EF Leopoldina, ao disputarem o poder, impuseram como padrão a bitola Larga e o “Padrão EFCB” na operação.

Trem de minério da MRS trafegando na Linha do Centro, e no padrão, da EFCB: vagões gôndola para transporte de minério. Foto: Daddo Moreira, 2018

 

Locomotivas potentes, com motores a partir de 1300 HP, e composições monstruosas com mais de 200 vagões, era algo impensável para as empresas de bitola métrica que não tinham minérios como prioridade. Isso inviabilizou o transporte de toda e qualquer carga que não fosse granéis. Ou seja, no caso e na época, minério. A coisa foi tão profunda que, por influência dessa situação, na antiga FEPASA foi feito o alargamento de várias linhas para se tornarem compatíveis com a EFCB.

Pátio de manobras de uma estação (provavelmente Julio Prestes) Acervo FEPASA – Arquivo Público do Estado de São Paulo.

 

Reconhecer que a Bitola Larga não é “melhor” e que a Bitola Métrica não é “pior”, que as razões para esse julgamento nunca foram técnicas e sim políticas, possibilita retomar e revigorar o setor e restaurar o “Padrão Leopoldina” que era lucrativo, mas deixou de sê-lo tanto pela ausência de investimentos quanto pelas questões políticas, inerente a forma como Getúlio Vargas tratou as empresas encampadas. Com esse reconhecimento, finalmente o setor poderá deslanchar, trazendo novos investidores e desenvolvimento econômico para o Brasil.

Locomotivas de baixa potência viabilizam retomar o transporte de carga geral e de passageiros, transformando isso em algo lucrativo. Vejam abaixo um projeto conceitual de veículo adequado para carga geral, algo viável que pode servir como exemplo.

Aguarde e acompanhe a segunda parte dessa história! Em breve …

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Agradecemos a leitura. Até a próxima!

*Agradecimentos a Wilson PS, que apontou um equívoco na legenda da foto de Praia Formosa, que estava assinalada como sendo de Visconde de Itaboraí.

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Autor

  • Mozart Rosa

    Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966, que testemunhou o desmonte da E.F. Cantagalo e diversas histórias da Ferrovia de Petrópolis. Se formou Engenheiro Mecânico pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral Trilhos do Rio no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de redator do site, assessor de contatos corporativos e diretor-técnico.

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VEJA TAMBÉM  O motivo do fracasso das ferrovias no Brasil (6) — Os egressos da RFFSA no futuro das ferrovias

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