O CULTO À BITOLA LARGA
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Saindo um pouco do tema e entrando superficialmente em outros campos, como as pessoas falam da bitola larga, lembra isso:
“Êxodo 32 — Vão adiante de nós; porque, quanto a este Moisés, o homem que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe sucedeu”. E Arão lhes disse: “Arrancai os pendentes de ouro que estão nas orelhas de vossas mulheres, e de vossos filhos, e de vossas filhas, e trazei-nos”. Então, todo o povo arrancou os pendentes de ouro que estavam em suas orelhas e os trouxeram a Arão. E ele os tomou das suas mãos, e trabalhou o ouro com um buril, e fez dele um bezerro de fundição. Então disseram: “Este é teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito”. E Arão, vendo isto, edificou um altar diante dele; apregoou Arão, e disse: “Amanhã será festa ao Senhor”. E no dia seguinte, madrugaram, ofereceram holocaustos, trouxeram ofertas pacíficas e o povo assentou-se para comer e beber; depois, levantou-se para folgar.”
Do jeito que as coisas estão, qualquer dia vão fazer um altar e glorificar a bitola larga. Essa adoração à bitola larga virou mania ou quase um culto, é o que parece e só isso explica.
Algo nunca falado é sobre a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico (CMBEU) (1951–1953), algo que ainda falaremos. Essa comissão já mostrava o estado de sucateamento de nossas ferrovias, isso em 1953, e na época diversas delas já estavam em poder do Estado. Alguns acham que a comissão foi um grande fracasso, na realidade suas recomendações, se seguidas por um governo de orientação liberal e não intervencionista como os governos da época, talvez tivessem tido resultados melhores. O nacionalismo de governos como o de Getúlio Vargas sempre foi uma trapaça. O objetivo com esse nacionalismo de fachada era o de incorporar empresas estrangeiras para nomear amigos.
Abaixo uma imagem da página 60 da revista do Clube de Engenharia. Não dispomos do ano com uma discussão entre Paulo de Frontin, Osório de Almeida, Castro Barbosa sobre a possibilidade de redução da bitola da E.F.C.B. Existem nesse mesmo exemplar da revista diversas menções a isso, em diversas páginas, e temos diversas delas. Deixamos para os interessados pesquisarem o restante.
Isso foi há mais de 100 anos, e ainda hoje os pseudossábios discutem o assunto. E nossa mestranda favorita e seus orientadores também. Poderiam pesquisar mais ou ler nossos artigos.
AS BITOLAS PELO MUNDO
O texto da AFTR abaixo mostra que ainda hoje na Europa são usadas bitolas métricas e de 760 mm:
https://www.trilhosdorio.org/bitola-1600mm-1000mm-ou-ate-mesmo-a-de-760mm/
É preciso entender que o uso das bitolas até pode ter a ver, mas não é tudo, com estabilidade ou capacidade de carga. As bitolas foram escolhidas originalmente por questões comerciais e geográficas. Quem escolheu a Bitola Irlandesa de 1600 mm para a EFCB, originalmente Estrada de Ferro D. Pedro II, foi o Sr. Edward Price, construtor inglês, contratado por Cristiano Ottoni para construir o primeiro trecho da ferrovia entre o centro do Rio e Queimados, em 1858. Não se falava em capacidade de carga, estabilidade ou qualquer outra coisa. O que prevaleceu foi a oferta da empresa que ofereceu o melhor preço para as locomotivas, pelo menos em teoria. Cada fabricante, sabe-se lá por quais motivos, construiu suas locomotivas com uma bitola própria.
Nosso associado Bruno Hauck apresenta uma hipótese para explicar por que o Barão de Mauá optou pela bitola Ibérica e o Sr. Edward Price optou pela bitola irlandesa: naquela época, a ferrovia estava dando seus primeiros passos e era vista como algo revolucionário, um grande e lucrativo negócio. Assim como hoje temos as criptomoedas, as ferrovias eram as criptomoedas da época. Todos queriam investir naquilo, achando que em algum momento ganhariam muito dinheiro. Dessa forma, as ferrovias eram construídas desordenadamente, sem planejamento e muitas vezes sem carga prevista que viabilizasse o negócio, tudo vislumbrando um lucro futuro. No Brasil, tivemos diversos exemplos disso. Um deles foi a Estrada de Ferro Bananal, que ligava Barra Mansa, no Rio de Janeiro, a Bananal, em São Paulo.
Outro exemplo foi citado por Cristiano Ottoni em seu livro “O Futuro das Estradas de Ferro do Brasil”, o qual a AFTR um dia pretende reeditar. Ele fala da forma açodada como estava sendo construída a ferrovia que ligaria Salvador a Alagoinha, a Bahia and San Francisco Railway Company. Em futura postagem, falaremos dessa ferrovia que inicialmente foi construída em bitola larga e que teve posteriormente, durante sua construção, sua bitola diminuída para métrica, pois os custos de construção em bitola métrica eram bem menores.
Tudo isso levou o parlamento britânico a criar o Railroads Act para parar essas obras desenfreadas e, principalmente, padronizar o sistema existente. Antes desse decreto, muitas vezes as ferrovias tinham bitolas diferentes, pois muitos viam isso como a identidade da estrada. Na época, nada era falado sobre estabilidade, capacidade de carga ou qualquer outra coisa. Clique aqui e saiba mais sobre o assunto.
Algo parecido foi feito também nos Estados Unidos na mesma época, por isso que lá, atualmente, a bitola é praticamente única. No início da construção das ferrovias, a diversidade de bitolas nos Estados Unidos foi muito similar à brasileira, e isso poucos sabem.
Considerando que o ano desse decreto foi próximo à construção da E.F. Mauá, isso serve de base para a teoria de que as máquinas devem ter sido construídas para alguma ferrovia inglesa e, por conta desse decreto, estavam sobrando. E nós somos obrigados a ler, em uma determinada tese de mestrado, que o Brasil ficou “refém” da bitola estreita. Tanto a mestranda como seus orientadores, desconhecendo todo o descrito aqui, ao fazerem essa afirmação, mostram ainda mais que não fazem a menor ideia do que dizem.
Essa turma que tanto defende a bitola larga deveria conhecer a história de Isambard Kingdom Brunel, outro tremendo engenheiro pouco conhecido no Brasil. Ele criou uma ferrovia com bitola de 2200 mm, sim, vocês leram corretamente. Essa bitola única na história foi posterior e obviamente descontinuada.
Ele construiu essa ferrovia para a Great Western Railway, ligando Londres a Bristol, mas a incompatibilidade dela com outras ferrovias, obrigando cargas e passageiros a baldearem, além da dificuldade em fazer curvas, inviabilizou o empreendimento.
Por outro lado, e por aqui, a Estrada de Ferro Vitória-Minas é em bitola métrica e extremamente eficiente, tem um TKU (toneladas por quilômetro útil) elevado e a Vale nunca cogitou alargá-la. Para os que ainda defendem a bitola larga (lembrando mais uma vez que não somos contra, mas a favor da coexistência entre ambas), mais um gráfico produzido pelo BNDES, em seu estudo “Ferrovias de Cargas Brasileiras: Uma Análise Setorial”, dessa vez na página 34, mostrando a TKU de cada ferrovia brasileira. Adivinhem qual é a maior?
Vocês conhecem aquela frase? ‘Aqueles que não conhecem a história, estão fadados a repeti-la’? Essa frase é originalmente de Edmund Burke, filósofo e pensador inglês do século XVIII, mas creditada por muitos a Martin Luther King. Vejam como é importante conhecer a história! Pois é, nossos ‘especialistas’ de hoje e nossa mestranda favorita nunca devem ter ouvido falar de nenhum desses senhores e nenhum desses eventos. Tentamos ser humildes o máximo possível, mas permitam-nos dizer: AFTR também é cultura e conhecimento, e quanto mais conseguirmos disseminar a correta informação, melhor.
Construir em bitola métrica é muito mais barato do que em bitola larga, e a capacidade de carga da ferrovia em si não se altera. O gráfico acima mostra isso.
A bitola irlandesa está presente no Brasil em trens e metrôs não por ser melhor, mas pelo fato de a maioria desses meios de transporte serem herdeiros da CBTU, que por sua vez foi herdeira da RFFSA. Só isso, nada tem a ver com qualquer outro motivo. São linhas como as dos subúrbios do Rio de Janeiro, que originalmente transportavam cargas e passageiros, e que com o tempo passaram a transportar apenas passageiros. Os metrôs também seguiram essa norma, tanto pelo intercâmbio conforme necessidade, quanto pela conveniência de já terem linhas nesta bitola.
Abaixo, alguns países que usam bitolas próximas à métrica, ou mesmo à métrica, e que, segundo nossa mestranda favorita, também são “reféns” dessa bitola:
- Na Rússia, a bitola usada é a de 1520 mm.
- Na África do Sul, na Escócia e no Japão, em algumas ferrovias, usa-se a bitola métrica.
- No Japão e na Austrália, na maioria das ferrovias, a bitola usada é de 1067 mm.
- O bonde de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, usa a bitola de 1100 mm.
- Em Portugal, os bondes usam bitolas de 900 mm e 1435 mm. Lá também se usa a bitola Ibérica, de 1668 mm, a bitola muito próxima da ferrovia construída pelo Barão de Mauá.
- Na Espanha, a FEVE (Ferrocarriles de Vía Estrecha) é toda em bitola métrica e opera nas seguintes localidades: Galiza, Astúrias, Cantábria, País Basco, Castela, Leão e Múrcia. Considerando que a maioria dos ‘especialistas’ recebe polpudas pensões, não devem ter tempo de ir nessas localidades que fogem totalmente ao circuito turístico. Na Espanha também temos a Eusko Trenbideak-Ferrocarriles Vascos, S.A., uma empresa pública cuja área de atuação é exclusiva ao País Basco e opera trens exclusivamente em bitola métrica.
Na Catalunha, existe ainda a Ferrocarrils de la Generalitat de Catalunya, uma pequena empresa que opera mais de 140 km de linhas em bitola métrica. A Espanha tem uma malha ferroviária pujante. A CAF Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles, uma das maiores empresas produtoras de material ferroviário do mundo, é de origem espanhola e não existe à toa.
Abaixo, o link da matriz espanhola:
O sistema ferroviário espanhol é pouco citado ou estudado pelos “especialistas”. Essas pessoas se fixam mais no sistema americano e na ANTRAK, mas o sistema espanhol poderia servir de modelo para o sistema brasileiro. Pequenas empresas transportando cargas em geral e passageiros em bitola métrica e interligadas, um sistema que funciona muito bem. Nada mais é do que um “Estilo Leopoldina de ser” que funciona até hoje.
É significativo que os chamados “especialistas” nunca citem o modelo espanhol. Será que é uma forma de privilegiar o “Estilo EFCB de ser” em detrimento do “Estilo Leopoldina de ser”, relegando-o ao esquecimento, algo que sempre funcionou, tendo sido erradicado na marra? Será que é uma forma de varrer para debaixo do tapete operações vitoriosas em bitola métrica, dando visibilidade às de bitola larga? Será que não falar das ferrovias espanholas é uma forma de não reconhecer que vivem falando bobagem sobre a questão das bitolas?
As pessoas que estiverem lendo essa postagem, fica a pergunta: você já tinha ouvido falar sobre as ferrovias espanholas e que elas são extremamente parecidas, na forma como operam e nas bitolas que operam, com as erradicadas da Leopoldina? Leiam os textos da AFTR, “O Estilo Leopoldina de ser”, onde mostramos que a E.F. Leopoldina tinha um modelo diferente de negócio, que era lucrativo, e esse modelo foi enterrado, prevalecendo o modelo da EFCB.
O QUE FOI O “ESTILO LEOPOLDINA DE SER”?
Explicar é desnecessário, os textos abaixo estão repletos de exemplos e explicações. Foi um estilo pioneiro que hoje tem um nome pomposo: ShortLine.
Abaixo, textos sobre o Estilo Leopoldina de Ser:
https://www.trilhosdorio.org/o-estilo-leopoldina-de-ser-01/
https://www.trilhosdorio.org/o-estilo-leopoldina-de-ser-02/
DETALHANDO A GUERRA DAS BITOLAS
Leiam também os textos sobre a Guerra das Bitolas. Essa informação praticamente só a AFTR divulga, quase uma exclusividade atualmente no Brasil:
Recomendamos aos interessados na Guerra das Bitolas que não percam nossas próximas postagens, pois temos pronto e publicaremos em breve um texto contando sobre os primórdios da Ferrovia do Aço, do que ela representou para a economia brasileira e aspectos da Guerra das Bitolas envolvidos nessa construção. Aguardem!
Para aqueles que chegaram até aqui e querem entender mais sobre o assunto, recomendamos ler esse divertido artigo publicado anteriormente pela AFTR. Nele, fazemos uma abordagem bem humorada e descontraída sobre esse assunto, sobre o qual muitos falam, mas poucos realmente entendem. Com certeza, um dos artigos mais engraçados e descompromissados publicados por nós:
Concluindo aqui a questão da Guerra das Bitolas, falaremos sobre os cargos da RFFSA. Os de nível mais elevado sempre eram ocupados por egressos da EFCB. Vamos tomar como exemplo a Estação Praia Formosa, formalmente a estação inicial da E.F. Leopoldina, que além da estação de cargas, tinha uma enorme oficina. Durante anos, após desativada, funcionou a rodoviária dos ônibus municipais, próximo à Rodoviária Novo Rio. Quem lembra disso deve lembrar da imensidão dos galpões. Foi gerenciada, antes de fechar, por um engenheiro extremamente competente, mas egresso dos quadros de engenheiros da EFCB.
Até hoje existem espalhadas pelo Brasil associações de ex-funcionários da E.F. Leopoldina e da E.F.C.B. São culturas que nunca se integraram. O maior exemplo disso é a AENFER — Associação dos Engenheiros Ferroviários, sendo uma sucedânea da AEFCB — Associação de Engenheiros Ferroviários da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Uma desculpa já usada por um “especialista” é de que essa diferenciação e afastamento existiu por conta dos equipamentos usados por essas ferrovias extintas serem diferentes. Mas isso é óbvio. Novamente citando o falecido político baiano ACM: “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”. A E.F. Leopoldina era considerada inimiga e, pela ausência de investimentos, sempre ficava com os equipamentos sucateados.
CONCLUSÃO
Sem a plena compreensão desses três aspectos do problema, qualquer debate sobre o passado, o presente ou o futuro das ferrovias no Brasil se torna pueril e sem profundidade. Teses fantasiosas, discursos vazios, sem conteúdo real e sem conclusões plausíveis. Falar também dos monumentais prejuízos da RFFSA e do monopólio exercido ferrenhamente por ela é parte da forma de compreender o problema. Lamentavelmente, a maioria dos que se propõe a falar sobre esse tema passa batida sobre isso.
Algo que recomendamos a todos os interessados em ferrovias observarem é que a maioria dos que escrevem atualmente sobre o tema são formados em geografia, história, maquinistas aposentados, funcionários aposentados da RFFSA ou burocratas aposentados de órgãos públicos. Dificilmente algum deles é um homem de negócios que entenda o que é lucro ou prejuízo e possa explicar isso no contexto ferroviário. Gente que, na maioria das vezes, nunca na vida administrou nem ao menos uma barraca de cachorro-quente.
E, como já dissemos inúmeras vezes: “Ferrovia é um negócio”.
Alguém que se debruçou sobre o tema e ainda pode falar muito sobre o assunto é o administrador de empresas formado em Harvard, o Sr. Stephen Kanitz, que, apesar do nome, é paulista da Mooca. Ele foi editor da edição anual e especial da revista Exame “Maiores e Melhores”, onde mostrava com dados o que muitos afirmam serem fantasiosos: o que era a RFFSA, com seus funcionários, seu patrimônio e seus prejuízos, todos superlativos.
Ao Sr. Stephen, nosso muito obrigado, agradecemos o legado que deixou em seus escritos quando foi editor da Maiores e Melhores, além de outros artigos seus sobre diversos temas, que serviram de base para muitos de nossos artigos. Para conhecer um pouco melhor a bandalheira que era a RFFSA, leia nosso artigo de Natal, que na realidade não é nosso, é do escritor Leandro Narloch.
Agradecemos a todos que chegaram até aqui.
Esperamos ter conseguido esclarecer muitos fatos e levar informações úteis a todos.
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