Receba as novidades Trilhos do Rio!

Tempo de leitura:24 minuto(s), 20 segundo(s)

Loading

­
✍️ Mozart Rosa
📅 24/03/2023
🕚 12h00
📷 Daddo Moreira (2011)




───── INÍCIO DA PUBLICIDADE


───── FIM DA PUBLICIDADE




 

Olá, amigas e amigos.

Na semana e capítulo anterior, introduzimos um assunto que intriga muitos ainda hoje: o porquê da derrocada das ferrovias no Brasil. É um assunto bastante extenso e, anteriormente, já publicamos muitos artigos falando sobre o tema. A partir da primeira parte deste artigo, considerado o nº 1, tentamos desmistificar fatos e algumas inverdades, mostrando a realidade dessa temática que tem por essencial importância a sua compreensão.

Apesar de o assunto não estar encerrado hoje, finalizamos uma parte do mesmo, publicando a segunda parte, complementando o texto da semana anterior, onde apresentamos dois aspectos.

Bem-vindos(as), agradecemos desde já a atenção, e desejamos a todos uma excelente leitura!

 

TERCEIRO ASPECTO: A GUERRA DAS BITOLAS

Este episódio não é mencionado pela maioria dos chamados “especialistas”, não em sua plenitude e não da forma como realmente aconteceu. A AFTR é até o momento umas das poucas ou a única instituição no Brasil que mostrou em textos parte do que aconteceu, uma sequência de textos chamados de “A Guerra das Bitolas” que tenta explicar esse evento histórico desconhecido pela maioria.

A Guerra das Bitolas foi uma guerra política entre ex-funcionários da E.F.C.B. e da E.F. Leopoldina pelo poder de comando dentro da RFFSA. Isso acontecia nos bastidores e jamais foi alvo de qualquer comentário da imprensa. Aquela frase dita originalmente por Maquiavel e no Brasil pelo político baiano falecido ACM – “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei” – bem se aplica ao que acontecia nos bastidores da RFFSA.

Devemos lembrar que as sedes da E.F.C.B. e da E.F. Leopoldina ficavam no Rio de Janeiro e as linhas oriundas da E.F. Leopoldina aqui em nosso estado foram todas destruídas, linhas que, com investimentos, poderiam ser lucrativas. Entretanto, nada sobreviveu. A própria sede da E.F. Leopoldina, que ficava em um belíssimo prédio na Gloria, foi abaixo também. Emblemático e sugestivo, não?

Antigo prédio da sede dos escritórios da “The Leopoldina Railway”, na Rua da Glória, nº 36/38, esquina com a rua Conde de Lages, no ano de 1906. Fonte: Facebook Foco in História

As linhas oriundas da E.F. Leopoldina não recebiam investimentos. Observem todas as fotos antigas das ferrovias de Petrópolis, E.F. Cantagalo e da E.F. Rio D’Ouro. Essas ferrovias operavam na década de 1960 com locomotivas a vapor que já tinham sido aposentadas na maioria das linhas da E.F.C.B. há vários anos antes. Se as linhas tivessem sido reformadas e feito investimentos em novos equipamentos, poderiam estar até hoje operando com lucro.

Trem da EF Teresópolis passando sobre a ponte do Rio Paquequer

Sobre a E.F. Cantagalo, uma informação se perdeu com o tempo, e uma pergunta provavelmente nunca será respondida: por que motivo as cremalheiras retiradas da E.F. Teresópolis, ao serem desmontadas, não foram colocadas na E.F. Cantagalo? O sistema “Fell”, comparado ao sistema de cremalheira, era de operação e manutenção mais custosa. Isso consumia todo o lucro da E.F. Cantagalo, e sob a alegação de prejuízo, ela foi extinta, mas nada foi feito para diminuir suas perdas. Acreditem, mais um episódio da Guerra das Bitolas.

Essa falta de investimento se estendia à manutenção da via permanente, e por causa disso, acidentes eram constantes, e isso era creditado ao uso da bitola estreita e não à falta de investimentos em manutenção. Mais uma forma de desacreditar as linhas da E.F. Leopoldina, todas em bitola estreita. De certa forma, isso acontece hoje na “bitolinha” da SuperVia.

Pátio de Guapimirim em 2016. Foto: Daddo Moreira

Nosso consultor, Sr. Augusto Santoro, que foi resgatista da E.F. Leopoldina, corrobora isso. Pessoas colaboradoras da AFTR, que trabalharam na linha ligando Campos a Niterói, corroboram isso também. Isso foi uma regra quase geral: para a E.F.C.B, equipamentos novos de primeira linha; para a E.F. Leopoldina, equipamentos velhos, sucateados, amarrados com barbante e arame, com raras exceções. Lembram do que falamos sobre ACM?

CONFLITO LARGUISTAS X ESTREITISTAS

Essa guerra começa com as fusões feitas na marra entre as empresas absorvidas pelo governo federal, que culminou com a criação da RFFSA. De todas as empresas absorvidas pela RFFSA, a E.F.C.B. era de longe uma das mais lucrativas, graças à descoberta, em 1911, das jazidas minerais em Minas Gerais. Esse fato transformou a E.F.C.B., que tinha linhas próximas, em uma grande transportadora de minério de ferro. Assim, se criou o “Estilo E.F.C.B. de ser”, um modelo de negócio focado no granel que virou referência.

Começo da exploração de minério em Minas Gerais. Foto pertencente ao trabalho “A exportação de Minério de Ferro pela Central do Brasil”. Fonte: Arquivo Público Mineiro, foto de Dermeval José Pimenta (colorida por AI).

A RFFSA foi criada a partir da união de uma série de empresas falidas. O corpo técnico da RFFSA sabia transportar uma composição do ponto A para o ponto B e mais nada. Se isso gerava lucro ou não, não era de todo relevante. Conceitos de lucro, produtividade, prejuízo, metas, essas coisas não eram priorizadas na RFFSA como seriam na iniciativa privada. Até existiam metas, mas para erradicação de linhas.

Criou-se também o mito de que a bitola larga deveria prevalecer por ser “melhor”, isso contrariando várias recomendações técnicas da época que consideravam a geografia da região Sudeste. Foi tudo uma enorme falácia, na realidade, o objetivo disso foi o de destruir o legado da E.F. Leopoldina. Essa guerra foi um verdadeiro desastre para o setor ferroviário e para a economia nacional.

Trecho operado pela Supervia onde, na época, ainda coexistiam linhas em bitola larga (1600mm) e bitola métrica (1000mm). Foto: Daddo Moreira em 2009

Essa disputa entre “larguistas” e “estreitistas” foi das coisas mais bizarras e ridículas que existiu e que existe ainda hoje no mercado ferroviário brasileiro. E ainda tem gente levando isso a sério, defendendo com unhas e dentes bitola x ou bitola y, sendo que todas, mesmo se houver necessidade de baldeações ou conexões, têm o seu espaço e importância. Não estamos falando de disputa de times de futebol, é uma simples questão técnica, mas que tem defensores apaixonados. É também o futuro do país que está em jogo.

UM PARÊNTESES SOBRE MINAS GERAIS

Juiz de Fora possuía duas ferrovias em seu território, sendo que a de bitola métrica foi extinta, o que é uma pena, pois se estivesse em operação atualmente, seria muito útil para a população e o país. Além disso, o café produzido na região da Zona da Mata, que antes era escoado para o Rio de Janeiro pelas linhas da E.F. Leopoldina, agora precisava ser transportado por outros meios, já que as linhas métricas foram desativadas.

É importante que os representantes do povo de Minas Gerais estudem melhor essa história e exijam uma reparação, uma vez que a malha ferroviária do estado foi destruída por políticas tolas e inadequadas.

Panorama de Juiz de Fora. Postal pertencente ao acervo Benício Guimarães (colorido por AI)

No entanto, a situação ainda piora quando o então deputado estadual João Leite criou a Comissão Pró Ferrovias de Minas Gerais e foi assessorado por ex-funcionários da RFFSA. Eram pessoas não conscientes em entender conceitos de lucro e que não conseguem calcular demanda, faturamento estimado, equipamentos adequados e custos. São aposentados que se propõem a dar consultoria, mas que na realidade não sabem todo o necessário sobre o assunto. Alguns são sonhadores, que elaboram ideias achando que o governo vai bancar, mas também tem quem defenda a adoção da bitola larga sem qualquer critério, o que não seria adequado para muitas das necessidades.

VEJA TAMBÉM  Artigo n.º 1: o que realmente houve com as ferrovias no Brasil? (1)

O problema é que, em assuntos técnicos como as ferrovias, pessoas sem muita vivência sobre o assunto, como o ex-deputado João Leite, procuram aconselhamento com algumas pessoas que na maioria das vezes são egressas da RFFSA. Essas pessoas desconhecem a maioria das informações necessárias para apresentar propostas “tecnicamente perfeitas e economicamente viáveis”.

Trem puxado pela locomotiva GE U23C 3942 em 1976. Acervo Benício Guimarães

A comissão dirigida pelo ex-deputado João Leite se limitou a apresentar um relatório em quatro anos. Se ele for eleito novamente e quiser uma assessoria mais competente, pode ser interessante que procure a equipe da AFTR, que pesquisou profundamente o assunto e conhece as origens e motivos desse desastre. Eles podem apresentar propostas mais interessantes para a reativação ou criação de novos trechos ferroviários.

O DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E EM INVESTIMENTOS DA RFFSA

Ludwig Von Mises, um dos maiores economistas da história, em seu livro “O Cálculo Econômico Sob o Socialismo”, escrito em 1920, fala sobre a utopia do socialismo, e em determinado momento, que ele não sabia precisar, esse modelo iria cair. Se considerarmos a RFFSA como um microcosmo, como um país socialista, foi isso que aconteceu. Ela apodreceu. Sua atuação era utópica, ilógica e antieconômica. Sua contabilidade era caótica. Ela sabia que tinha prejuízo, mas não conseguia determinar a origem dele.

Reduzir custos pela demissão de funcionários, desmobilização de patrimônio ou auditorias nem pensar. Resolveu extinguir as linhas daquelas empresas mais fracas, e a E.F. Leopoldina estava extremamente fragilizada por conta de seus prejuízos recorrentes. Essa é uma realidade inconveniente. A tarifa social que muitos ex-funcionários até hoje apregoam com orgulho ajudou bastante a aumentar o tamanho desse buraco. Quem não lembra o quanto o trem antigamente era “baratinho”? Mas lembrem-se: não existe almoço grátis.

Quando a vaca foi para o brejo era preciso encontrar culpados, e acharam: o rodoviarismo, os empresários de ônibus e outras razões fantasiosas. Mas falar dos prejuízos monstruosos da RFFSA ou da Guerra das Bitolas nem pensar. Isso foi varrido para debaixo do tapete.

Acervo O Globo, 29 de, março de 1979. Fonte: Fórum de debates Trilhos do Rio

Aqueles que leram esse texto e chegaram até aqui, entendam o seguinte: o rodoviarismo prevaleceu no Brasil não por qualquer teoria da conspiração, mas pela inépcia, pela incompetência dos funcionários da RFFSA. Mais preocupados em manter seus privilégios, suas regalias, seu status quo e manter o monopólio que os favorecia, e nenhuma preocupação com o desenvolvimento do setor ferroviário. Isso foi desastroso para o país.

Concurso público, em tese, deveria servir para auferir conhecimentos, e no Brasil isso não acontece. O objetivo do concurso público no Brasil, salvo exceções, é direcionar ideologicamente os candidatos aprovados. Muitos candidatos fazem esses processos seletivos não interessados na carreira ou no tipo de trabalho, mas interessados no salário.

No caso do setor ferroviário, concursados da EPL e da VALEC foram direcionados a acreditar firmemente nas “vantagens” da bitola larga e defendem isso com unhas e dentes, e embora odiemos esse termo, o usaremos. São em sua maioria “Larguistas” e encontram os mais descabidos argumentos para defender suas ideias. Ignoram os debates promovidos no Clube de Engenharia entre Paulo de Frontin e diversos outros notáveis, inclusive o Sr. Niemeyer, sobre o tema, debates não entre qual seria a melhor bitola, a larga ou a estreita, mas sobre qual bitola inferior à larga seria melhor para o Brasil, onde alguns defendiam a bitola Standard de 1435mm e a métrica. Hoje isso é ignorado pelos “especialistas”.

Conrado Jacob Niemeyer. Fonte: Correio da Manhã, Arquivo Nacional

Toda essa informação é como se nunca tivesse existido. Para quem não conseguir ligar o nome à pessoa, o Sr. Niemeyer citado foi Conrad Jacob Niemeyer, fundador do Clube de Engenharia em 1880, e que abriu a Avenida Niemeyer após o cancelamento da obra da EF Botafogo x Angra dos Reis, dentre muitas outras ações.

O Sr. Niemeyer é o antepassado de homens como Oscar Niemeyer, o arquiteto, e Paulo Niemeyer, o neurocirurgião. Quanto custou ao país a mudança de bitola, totalmente desnecessária, em determinados trechos? Podemos citar como exemplos aqui no Rio de Janeiro a extensão de Gramacho a Saracuruna e o alargamento das linhas até Duque de Caxias. Esse devaneio, esse culto à bitola larga, se assemelha aos judeus cultuando o Bezerro de Ouro no período mosaico do Velho Testamento. Isso gerou obras como a Ferrovia do Aço.

Gente como nossa mestranda favorita que fez uma tese de mestrado porca cheia de erros grosseiros, infelizmente tem informações constantes nessa tese usada em provas de concurso público, para empresas como VALEC e EPL, e isso é danoso para o país.

O CULTO À BITOLA LARGA

Saindo um pouco do tema e entrando superficialmente em outros campos, a forma como as pessoas falam da bitola larga lembra isso:

“Êxodo 32 – Vão adiante de nós; porque, quanto a este Moisés, o homem que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe sucedeu”. E Arão lhes disse: “Arrancai os pendentes de ouro que estão nas orelhas de vossas mulheres, e de vossos filhos, e de vossas filhas, e trazei-nos”. Então, todo o povo arrancou os pendentes de ouro que estavam em suas orelhas e os trouxeram a Arão. E ele os tomou das suas mãos, e trabalhou o ouro com um buril, e fez dele um bezerro de fundição. Então disseram: “Este é teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito”. E Arão, vendo isto, edificou um altar diante dele; e apregoou Arão, e disse: “Amanhã será festa ao Senhor”. E no dia seguinte, madrugaram, ofereceram holocaustos, trouxeram ofertas pacíficas e o povo assentou-se para comer e beber; depois, levantou-se para folgar.”

Do jeito que as coisas estão, qualquer dia vão fazer um altar e glorificar a bitola larga. Essa adoração à bitola larga virou mania ou quase um culto, é o que parece e só isso explica.

Algo nunca falado é sobre a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico (CMBEU) (1951-1953), algo que ainda falaremos. Essa comissão já mostrava o estado de sucateamento de nossas ferrovias, isso em 1953, e na época a maioria delas já estava em poder do Estado. Alguns acham que a comissão foi um grande fracasso, na realidade suas recomendações, se seguidas por um governo de orientação liberal e não intervencionista como os governos da época, talvez tivessem tido resultados melhores. O nacionalismo de governos como o de Getúlio Vargas sempre foi uma trapaça. O objetivo com esse nacionalismo de fachada era o de incorporar empresas estrangeiras para nomear amigos.

Abaixo uma imagem da página 60 da revista do Clube de Engenharia. Não dispomos do ano com uma discussão entre Paulo de Frontin, Osório de Almeida, Castro Barbosa sobre a possibilidade de redução da bitola da E.F.C.B. Existem nesse mesmo exemplar da revista diversas menções a isso, em diversas páginas, e temos diversas delas. Deixamos para os interessados pesquisarem o restante.

Isso foi há mais de 100 anos, e ainda hoje os pseudossábios discutem o assunto. E nossa mestranda favorita e seus orientadores também. Poderiam pesquisar mais ou ler nossos artigos.

VEJA TAMBÉM  O trem dos esquecidos (parte 1)

AS BITOLAS PELO MUNDO.

É preciso entender que o uso das bitolas até pode ter a ver, mas não é tudo, com estabilidade ou capacidade de carga. As bitolas foram escolhidas originalmente por questões comerciais e geográficas. Quem escolheu a Bitola Irlandesa de 1600mm para a EFCB, originalmente Estrada de Ferro D. Pedro II, foi o Sr. Edward Price, construtor inglês, contratado por Cristiano Ottoni para construir o primeiro trecho da ferrovia entre o centro do Rio e Queimados, em 1858. Não se falava em capacidade de carga, estabilidade ou qualquer outra coisa. O que prevaleceu foi a oferta da empresa que ofereceu o melhor preço para as locomotivas, pelo menos em teoria. Cada fabricante, sabe-se lá por quais motivos, construiu suas locomotivas com uma bitola própria.

Nosso associado Bruno Hauck apresenta uma hipótese para explicar por que o Barão de Mauá optou pela bitola Ibérica e o Sr. Edward Price optou pela bitola irlandesa: naquela época, a ferrovia estava dando seus primeiros passos e era vista como algo revolucionário, um grande e lucrativo negócio. Assim como hoje temos as criptomoedas, as ferrovias eram as criptomoedas da época. Todos queriam investir naquilo, achando que em algum momento ganhariam muito dinheiro. Dessa forma, as ferrovias eram construídas desordenadamente, sem planejamento e muitas vezes sem carga prevista que viabilizasse o negócio, tudo vislumbrando um lucro futuro. No Brasil, tivemos diversos exemplos disso. Um deles foi a Estrada de Ferro Bananal, que ligava Barra Mansa, no Rio de Janeiro, a Bananal, em São Paulo.

Trem na estação de Bananal. Imagem de Facebook, via Gazeta de Bananal (colorida por AI)

Outro exemplo foi citado por Cristiano Ottoni em seu livro “O Futuro das Estradas de Ferro do Brasil”, o qual a AFTR um dia pretende reeditar. Ele fala da forma açodada como estava sendo construída a ferrovia que ligaria Salvador a Alagoinha, a Bahia and San Francisco Railway Company. Em futura postagem, falaremos dessa ferrovia que inicialmente foi construída em bitola larga e que teve posteriormente, durante sua construção, sua bitola diminuída para métrica, pois os custos de construção em bitola métrica eram bem menores.

Construção da “Bahia and San Francisco Railway”. Fonte: Institution of Civil Engineers

Tudo isso levou o parlamento britânico a criar o Railroads Act para parar essas obras desenfreadas e, principalmente, padronizar o sistema existente. Antes desse decreto, muitas vezes as ferrovias tinham bitolas diferentes, pois muitos viam isso como a identidade da estrada. Na época, nada era falado sobre estabilidade, capacidade de carga ou qualquer outra coisa. Clique aqui e saiba mais sobre o assunto.

Algo parecido foi feito também nos Estados Unidos na mesma época, por isso que lá, atualmente, a bitola é praticamente única. No início da construção das ferrovias, a diversidade de bitolas nos Estados Unidos foi muito similar à brasileira, e isso poucos sabem.

Fonte: Trainz Forum

Considerando que o ano desse decreto foi próximo à construção da E.F. Mauá, isso serve de base para a teoria de que as máquinas devem ter sido construídas para alguma ferrovia inglesa e, por conta desse decreto, estavam sobrando. E nós somos obrigados a ler, em uma determinada tese de mestrado, que o Brasil ficou “refém” da bitola estreita. Tanto a mestranda como seus orientadores, desconhecendo todo o descrito aqui, ao fazerem essa afirmação, mostram ainda mais que não fazem a menor ideia do que dizem.

Essa turma que tanto defende a bitola larga deveria conhecer a história de Isambard Kingdom Brunel, outro tremendo engenheiro pouco conhecido no Brasil. Ele criou uma ferrovia com bitola de 2200mm, sim, vocês leram corretamente. Essa bitola única na história foi posteriormente e obviamente descontinuada.

Fonte: World Wide Rail (Twitter)

Ele construiu essa ferrovia para a Great Western Railway, ligando Londres a Bristol, mas a incompatibilidade dela com outras ferrovias, obrigando cargas e passageiros a baldearem, além da dificuldade em fazer curvas, inviabilizou o empreendimento.

Por outro lado, e por aqui, a Estrada de Ferro Vitória-Minas é em bitola métrica e extremamente eficiente, tem um TKU (toneladas por quilômetro útil) elevado e a Vale nunca cogitou alargá-la. Para os que ainda defendem a bitola larga (lembrando mais uma vez que não somos contra, mas a favor da coexistência entre ambas), mais um gráfico produzido pelo BNDES, em seu estudo “Ferrovias de Cargas Brasileiras: Uma Análise Setorial”, dessa vez na página 34, mostrando a TKU de cada ferrovia brasileira. Adivinhem qual é a maior?

Fonte: BNDES

Vocês conhecem aquela frase: ‘Aqueles que não conhecem a história está fadados a repeti-la’? Essa frase é originalmente de Edmund Burke, filósofo e pensador inglês do século XVIII, mas creditada por muitos a Martin Luther King. Vejam como é importante conhecer a história! Pois é, nossos ‘especialistas’ de hoje e nossa mestranda favorita nunca devem ter ouvido falar de nenhum desses senhores e nenhum desses eventos. Tentamos ser humildes o máximo possível, mas permitam-nos dizer: AFTR também é cultura e conhecimento, e quanto mais conseguirmos disseminar a correta informação, melhor.

Construir em bitola métrica é muito mais barato do que em bitola larga, e a capacidade de carga da ferrovia em si não se altera. O gráfico acima mostra isso.

A bitola irlandesa está presente no Brasil em trens e metrôs não por ser melhor, mas pelo fato da maioria desses meios de transporte serem herdeiros da CBTU, que por sua vez foi herdeira da RFFSA. Só isso, nada tem a ver com qualquer outro motivo. São linhas como as dos subúrbios do Rio de Janeiro, que originalmente transportavam cargas e passageiros, e que com o tempo passaram a transportar apenas passageiros. Os metrôs também seguiram essa norma, tanto pelo intercâmbio conforme necessidade, quanto pela conveniência de já terem linhas nesta bitola.

Fonte: divulgação Metrô Rio

Abaixo, alguns países que usam bitolas próximas à métrica, ou mesmo a métrica, e que, segundo nossa mestranda favorita, também são “reféns” dessa bitola:

  • Na Rússia, a bitola usada é a de 1520mm.
  • Na África do Sul, na Escócia e no Japão, em algumas ferrovias, usa-se a bitola métrica.
  • No Japão e na Austrália, na maioria das ferrovias, a bitola usada é de 1067mm.
  • O Bonde de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, usa a bitola de 1100mm.
  • Em Portugal, os bondes usam bitolas de 900mm e 1435mm. Lá também se usa a bitola Ibérica, de 1668mm, a bitola muito próxima da ferrovia construída pelo Barão de Mauá.
  • Na Espanha, a FEVE (Ferrocarriles de Vía Estrecha) é toda em bitola métrica e opera nas seguintes localidades: Galiza, Astúrias, Cantábria, País Basco, Castela, Leão e Múrcia. Considerando que a maioria dos ‘especialistas’ recebe polpudas pensões, não devem ter tempo de ir nessas localidades que fogem totalmente ao circuito turístico. Na Espanha também temos a Eusko Trenbideak-Ferrocarriles Vascos, S.A., uma empresa pública cuja área de atuação é exclusiva ao País Basco e opera trens exclusivamente em bitola métrica.
Trecho operado pela Ferrocarrils de la Generalitat de Catalunya Fonte: Barcelona Film Comission

Na Catalunha existe ainda a Ferrocarrils de la Generalitat de Catalunya, uma pequena empresa que opera mais de 140 km de linhas em bitola métrica. A Espanha tem uma malha ferroviária pujante. A CAF Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles, uma das maiores empresas produtoras de material ferroviário do mundo, é de origem espanhola, e não existe à toa.

VEJA TAMBÉM  O motivo do fracasso das ferrovias no Brasil (1) – Os custos de construção

Abaixo, o link da matriz espanhola:

https://www.caf.net/en.

O sistema ferroviário espanhol é pouco citado ou estudado pelos “especialistas”. Essas pessoas se fixam mais no sistema americano e na ANTRAK, mas o sistema espanhol poderia servir de modelo para o sistema brasileiro. Pequenas empresas transportando cargas em geral e passageiros em bitola métrica e interligadas, um sistema que funciona muito bem. Nada mais é do que um “Estilo Leopoldina de ser” que funciona até hoje.

Fonte: Renfe

É significativo que os chamados “especialistas” nunca citem o modelo espanhol. Será que é uma forma de privilegiar o “Estilo E.F.C.B. de ser” em detrimento do “Estilo Leopoldina de ser”, relegando-o ao esquecimento, algo que sempre funcionou e foi erradicado na marra? Será que é uma forma de varrer para debaixo do tapete operações vitoriosas em bitola métrica, dando visibilidade às de bitola larga? Será que não falar das ferrovias espanholas é uma forma de não reconhecer que vivem falando bobagem sobre a questão das bitolas?

As pessoas que estiverem lendo essa postagem, fica a pergunta: você já tinha ouvido falar sobre as ferrovias espanholas e que elas são extremamente parecidas, na forma como operam e nas bitolas que operam, com as erradicadas da Leopoldina? Leiam os textos da AFTR, “O Estilo Leopoldina de ser”, onde mostramos que a E.F. Leopoldina tinha um modelo diferente de negócio, que era lucrativo, e esse modelo foi enterrado, prevalecendo o modelo da E.F.C.B.

O QUE FOI O “ESTILO LEOPOLDINA DE SER”?

Explicar é desnecessário, os textos abaixo estão repletos de exemplos e explicações. Foi um estilo pioneiro que hoje tem um nome pomposo: ShortLine.

Abaixo, textos sobre o Estilo Leopoldina de Ser:

DETALHANDO A GUERRA DAS BITOLAS

Leiam também os textos sobre a Guerra das Bitolas. Essa informação praticamente só a AFTR divulga, quase uma exclusividade atualmente no Brasil:

Recomendamos aos interessados na Guerra das Bitolas que não percam nossas próximas postagens, pois temos pronto e publicaremos em breve um texto contando sobre os primórdios da Ferrovia do Aço, do que ela representou para a economia brasileira e aspectos da Guerra das Bitolas envolvidos nessa construção. Aguardem!

Para aqueles que chegaram até aqui e querem entender mais sobre o assunto, recomendamos ler esse divertido artigo publicado anteriormente pela AFTR. Nele, fazemos uma abordagem bem-humorada e descontraída sobre esse assunto, sobre o qual muitos falam, mas poucos realmente entendem. Com certeza, um dos artigos mais engraçados e descompromissados publicados por nós:

Concluindo aqui, a questão da Guerra das Bitolas, falaremos sobre os cargos da RFFSA. Os de nível mais elevado sempre eram ocupados por egressos da E.F.C.B. Vamos tomar como exemplo a Estação Praia Formosa, formalmente a estação inicial da E.F. Leopoldina, que além da estação de cargas, tinha uma enorme oficina. Durante anos, após desativada, funcionou a rodoviária dos ônibus municipais, próximo à Rodoviária Novo Rio. Quem lembra disso deve lembrar da imensidão dos galpões. Foi gerenciada, antes de fechar, por um engenheiro extremamente competente, mas egresso dos quadros de engenheiros da E.F.C.B.

Trilhos acessando o pátio das oficinas de Praia Formosa, em 2009. Foto: Daddo Moreira (via Orkut)

Até hoje existem espalhadas pelo Brasil associações de ex-funcionários da E.F. Leopoldina e da E.F.C.B. São culturas que nunca se integraram. O maior exemplo disso é a AENFER – Associação dos Engenheiros Ferroviários, que é uma sucedânea da AEFCB – Associação de Engenheiros Ferroviários da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Uma desculpa já usada por um “especialista” é de que essa diferenciação e afastamento existiu por conta de os equipamentos usados por essas ferrovias extintas serem diferentes. Mas isso é óbvio. Novamente citando o falecido político baiano ACM: “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”. A E.F. Leopoldina era considerada inimiga e, pela ausência de investimentos, sempre ficava com os equipamentos sucateados.

CONCLUSÃO

Sem a plena compreensão desses três aspectos do problema, qualquer debate sobre o passado, o presente ou o futuro das ferrovias no Brasil se torna pueril e sem profundidade. Teses fantasiosas, discursos vazios, sem conteúdo real e sem conclusões plausíveis. Falar também dos monumentais prejuízos da RFFSA e do monopólio exercido ferrenhamente por ela é parte da forma de compreender o problema. Lamentavelmente, a maioria dos que se propõe a falar sobre esse tema passa batida sobre isso.

Algo que recomendamos a todos os interessados em ferrovias observarem é que a maioria dos que escrevem atualmente sobre o tema são formados em geografia, história, maquinistas aposentados, funcionários aposentados da RFFSA ou burocratas aposentados de órgãos públicos. Dificilmente algum deles é um homem de negócios que entenda o que é lucro ou prejuízo e possa explicar isso dentro do contexto ferroviário. Gente que, na maioria das vezes, nunca na vida administrou nem ao menos uma barraca de cachorro-quente.

E como já dissemos inúmeras vezes: “Ferrovia é um negócio”.

Alguém que se debruçou sobre o tema e ainda pode falar muito sobre o assunto é o administrador de empresas formado em Harvard, o Sr. Stephen Kanitz, que, apesar do nome, é paulista da Mooca. Ele foi editor da edição anual e especial da revista Exame “Maiores e Melhores”, onde mostrava com dados o que muitos afirmam serem fantasiosos: o que era a RFFSA, com seus funcionários, seu patrimônio e seus prejuízos, todos superlativos.

Fonte: divulgação.

Ao Sr. Stephen nosso muito obrigado, agradecemos o legado que deixou em seus escritos quando foi editor da Maiores e Melhores, além de outros artigos seus sobre diversos temas, que serviram de base para muitos de nossos artigos. Para conhecer um pouco melhor a bandalheira que era a RFFSA, leia nosso artigo de Natal, que na realidade não é nosso, é do escritor Leandro Narloch:

Agradecemos a todos que chegaram até aqui.

Esperamos ter conseguido esclarecer muitos fatos e levar informações úteis a todos.

Gostou? Curtiu? Compartilhe!

Até a próxima!

A opinião descrita neste texto pode não ser, total ou parcialmente, a opinião da instituição.

Feliz
Feliz
0 %
Triste
Triste
0 %
Empolgado
Empolgado
0 %
Sonolento
Sonolento
0 %
Nervoso(a)
Nervoso(a)
0 %
Surpreso
Surpreso
0 %

Autor

  • Mozart Rosa

    Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966, que testemunhou o desmonte da E.F. Cantagalo e diversas histórias da Ferrovia de Petrópolis. Se formou Engenheiro Mecânico pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral Trilhos do Rio no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de redator do site, assessor de contatos corporativos e diretor-técnico.

    Ver todos os posts

Classificação média

5 Star
0%
4 Star
0%
3 Star
0%
2 Star
0%
1 Star
0%

Acesse para Comentar.

Post anterior A VFRGS, sua história e atualidade: reflexo das Ferrovias Brasileiras
Próximo post Artigo nº2: Ferrovias Europeias, Americanas… podemos comparar com as Brasileiras?