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✍️ Mozart Rosa
📅 14/04/2023
🕚 12h00
📷 Trem da Leopoldina Railway passando sobre pontilhão, em 1908.


 




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A Guerra das Bitolas – Episódio Especial: O Prejuízo que isso causou ao Brasil.

Artigo In memorian dedicado à Reidar Ursin Knodsem, nossa gratidão ao homem que tentou fazer o certo e não conseguiu.

Leia e entenda quem ele foi e por que ele não conseguiu.

Se esta postagem chegar a algum descendente, que esteja lendo agora, saiba que seu antepassado foi um gênio não reconhecido. E a ele dedicamos todo o nosso respeito.


INTRODUÇÃO

Parece que somos a única instituição no Brasil a abordar em seus textos a Guerra das Bitolas, mostrando não apenas que ela aconteceu, mas alguns de seus desdobramentos.

Hoje abordaremos mais uma vez, e com fontes primárias, um dos episódios mais escabrosos da história do Brasil contemporâneo, episódio esse que até hoje rende problemas para o país e que quebrou o Brasil no governo Figueiredo, fazendo com que o país precisasse pedir ajuda ao FMI: a Ferrovia do Aço.

Construção da Ferrovia do Aço. Fonte: cena de um documentário de Jean Manzon, via site Volta Redonda Antiga.

Mas então… a Ferrovia do Aço… você sabe para que ela serve e o quanto ela custou?

Agradecimentos a Márcio Cardoso e Victor Silva, membros Trilhos do Rio sendo o último o responsável pelo Blog Linha Auxiliar pelos registros e informações cedidos.


A FERROVIA DOS MIL DIAS

Em tese, a Ferrovia do Aço deveria ser uma ferrovia em bitola larga, a bitola da E.F.C.B., ligando o Rio de Janeiro x Minas Gerais x São Paulo, os três economicamente maiores estados do Brasil, gerando integração econômica entre os entes e sendo usada para o transporte de minério para exportação.

Não entraremos, por enquanto, no mérito de o quanto a Ferrovia do Aço custou, mas mostraremos aqui que foi um projeto inútil e desnecessário e que muito antes de se ter optado por construí-la, soluções mais baratas foram apresentadas, mas foram deixadas de lado, pois fariam a E.F. Leopoldina sair fortalecida economicamente, e isso não interessava ao grupo interessado em destruí-la, o que acabou acontecendo. Um ato sem igual de mesquinhez e crime de lesa-pátria.

Construção da Ferrovia do Aço. Fonte: cena de um documentário de Jean Manzon, via site Volta Redonda Antiga

A Ferrovia do Aço, em resumo, é uma ferrovia moderna que corta o estado de Minas Gerais, que deveria levar 1000 dias para ser construída, levou mais de 5000 dias para a primeira inauguração de um trecho parcial, e que até hoje não foi concluída em sua plenitude. Existem em Campinas galpões com locomotivas elétricas desmontadas compradas para serem usadas na operação nessa ferrovia, além de material que seria usado em sua eletrificação e que estão até hoje encaixotados. A MRS Logística, atual concessionária do trecho, não cogita em usar este equipamento. Por essa medida tomada na época da construção da ferrovia pelo governo da época, já se tem uma leve noção do desperdício de dinheiro sem igual que ocorreu, dinheiro esse que pagamos.

Complementando, a Ferrovia do Aço teve o início de suas obras no governo Geisel, em 1975, e ultrapassou o governo Figueiredo, estando até hoje inconclusa, como citado há pouco.

Construção da Ferrovia do Aço. Fonte: cena de um documentário de Jean Manzon, via site Volta Redonda Antiga

O volume de dinheiro gasto em suas obras foi tão absurdo para a construção de uma imensidão de túneis e viadutos que isso arruinou economicamente o Brasil no governo Figueiredo, fazendo com que o país recorresse ao FMI em busca de ajuda financeira. Para se ter uma noção do volume de dinheiro empregado, o Brasil gasta hoje com suas três forças armadas em torno de 1,6% de seu PIB, enquanto o setor ferroviário, no final da década de 1970 e início da década de 1980, por conta das obras da Ferrovia do Aço, chegou a gastar 7% do PIB (dados da revista Exame da época).

Foi preciso que Azevedo Antunes, o então dono da MBRMineração Brasileiras Reunidas (mineradora posteriormente vendida à Companhia Vale do Rio Doce – CVRD), propusesse, já no governo Sarney, mais de 10 anos após iniciada a construção, concluir parte da obra para que ela fosse inaugurada. Mesmo assim, até hoje não foi concluída como previsto, com linhas duplas na maioria de seus trechos, permanecendo apenas uma linha singela praticamente em sua totalidade (apenas nos pátios de cruzamento se tem mais de uma linha operacional).

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Diagrama das linhas da MRS Logística, incluindo a Ferrovia do Aço. Contribuição de Victor Silva.

A quantidade de túneis e viadutos executados em sua construção foi algo nunca visto na história do Brasil, uma obra monumental que poderia ter sido evitada.

Stephen Kanitz, que apesar do nome é paulista da Mooca, se debruçou sobre o assunto e é alguém que deveria ser consultado, mas não é. Ele foi consultor da revista Exame na década de 1980, editando a edição especial da revista, a Maiores e Melhores, onde expunha regularmente os descalabros da RFFSA. Hoje, muitos preferem varrer para debaixo do tapete, mas Kanitz conhece bem o assunto ferrovias em seu aspecto econômico e hoje é solenemente ignorado.

Aquela frase “puxou uma pena, veio uma galinha”, quando se debruça sobre o assunto da Ferrovia do Aço, percebe-se que ela adquire uma nova dimensão, passando a ser “puxou uma pena, sai um galinheiro”.


DOM SILVÉRIO – NOVA ERA: 72 KMS QUE PODERIAM MUDAR A HISTÓRIA DAS FERROVIAS DO BRASIL

Ao final deste artigo, temos alguns recortes de jornal. Os primeiros são de 1961 e 1964, infelizmente, não temos a origem, mas o terceiro é originário do Jornal A Noite de janeiro de 1961. A leitura desses textos é bem explicativa sobre tudo o que será descrito a seguir.

Fonte: Site O Trem Expresso

Para entender melhor o publicado nos jornais, é preciso entender o contexto da época. Embora a RFFSA já existisse, ela ainda não tinha absorvido todas as empresas administradas pelo governo federal. Isso só aconteceu de forma plena durante a década de 80. Algumas empresas, como o caso da E.F. Leopoldina, ainda funcionavam de forma independente, subordinadas à RFFSA, mas com certa autonomia. Para piorar, cada SR (Superintendência Regional) da RFFSA funcionava de forma individual, o que normalmente gerava confusão.

Observem que o tom usado nos jornais é de otimismo. Acreditava-se que aqueles 72 km salvariam a E.F. Leopoldina, que já estava em situação bem difícil. Reidar Ursin Knodsem, então superintendente da E.F. Leopoldina e autor da proposta, foi um homem de extrema visão. Não é justo que seu nome tenha se perdido na história, e hoje não se consiga informações sobre ele nem na Internet. Na reportagem, vemos que o Sr. Reidar fala de seu interesse em atender as indústrias, e cita a indústria de cimento. O “Estilo Leopoldina de Ser” certamente seria muito mais útil para o Brasil pela diversidade de cargas transportadas, algo bem diferente da Ferrovia do Aço que o próprio nome já mostra ter sido construída para um único produto, o ápice do “Estilo EFCB de Ser”.

Fonte: Site O Trem Expresso

Existia ainda em funcionamento na época a Linha de Caratinga, saindo de Três Rios, no estado do Rio de Janeiro, e chegando a Caratinga, em Minas Gerais, passando por Bicas. Essa linha tinha mais de 600 km, mas hoje está extinta. Com pequenos investimentos, ela seria extremamente rentável pelos diversos produtos que transportava e ainda poderia transportar. Porém, acreditamos que foi extinta justamente pelas suas potencialidades e pelo projeto da variante ligando as cidades de Dom Silvério e Nova Era. Talvez tenha sido uma queima de arquivo ampliada. Mais que um episódio da Guerra das Bitolas, a extinção dessa linha foi um crime, e lamentavelmente os culpados continuam impunes.

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Embarque de leite em vagão. Fonte: IBGE (1958)

Uma análise dessa linha mostra em plenitude o “Estilo Leopoldina de Ser”. Ela transportava leite, gado, carnes. Devidamente reformada, poderia ser uma linha extremamente lucrativa e foi CRIMINOSAMENTE DESTRUÍDA. Sim, colocamos em maiúsculas para que todos tenham noção real do que foi feito.

Em Três Rios, essa linha se conectava à E.F. Melhoramentos, que na ocasião, descendo a serra de Miguel Pereira, chegava à cidade do Rio de Janeiro, pelo trecho São Bento x Ambai, que poderia ainda estar operante atualmente.

Trecho da linha São Bento – Ambaí ainda com trilhos na época. Atualmente, nada indica ter passado uma ferrovia por toda a extensão.

A proposta feita em 1961, data de publicação desses jornais, era a construção de um ramal de apenas 72 km entre as cidades de Dom Silvério e Nova Era, em Minas Gerais. Isso permitiria uma integração entre a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a E.F. Leopoldina, possibilitando à E.F. Leopoldina trazer para o Rio de Janeiro, para exportação, o minério de ferro que atualmente é trazido pela Ferrovia do Aço.

Foi prevista a construção de portos que, nas décadas seguintes, seriam construídos em Sepetiba e que hoje são usados pela MRS.

Alguém consegue mensurar o custo de construção de apenas 72 km de ferrovias e comparar com os estimados US$ 4 bilhões gastos na tentativa de construção da Ferrovia do Aço, uma ferrovia inacabada? (Informação publicada pelo jornal Estado de Minas em 07.04.2013, sujeita à confirmação)

Clique na imagem para ler a matéria.

Tudo por conta da Guerra das Bitolas! A que ponto a coisa chegou?

Por isso, as penas não são puxadas, muitas biografias seriam expostas se isso acontecesse. Muita gente com vergonha do que fez.


OS NÚMEROS NÃO MENTEM

Segundo o site da Câmara dos Deputados, que transcreveu, em 2016, uma audiência com o presidente da VALEC, sobre atrasos nas obras da Transnordestina, o custo de 1 km de ferrovia seria de 6 milhões de reais por km.

 

Considerando que o trecho previsto seria de 72 km, teríamos um custo de 432 milhões de reais, considerando o período em que este artigo está sendo escrito, início de 2023, e que nesta data 1 US$ está cotado em R$ 5,25. Fazendo a conversão, teríamos 82 milhões de dólares.

É isso mesmo, produção? Deixaram de construir um desvio que custaria US$ 82 milhões para construir uma ferrovia que até hoje não está concluída em que enterrarão US$ 4 bilhões?

Vamos comparar, se é que é possível:

US$ 82 milhões x US$ 4 bilhões.

Considerando que o valor da Ferrovia do Aço seja o correto (acreditamos que seja até maior), são mais de 50 vezes a diferença.

Coisas de Brasil, neste caso se puxar a pena realmente sai mais que um galinheiro, sai a granja toda


NOSSA INTERPRETAÇÃO SOBRE O EVENTO

O que colocamos abaixo são divagações, mas divagações plausíveis tendo em vista tudo o que sabemos e pesquisamos.

Entendam o seguinte, se esses 72 km tivessem sido construídos, a RFFSA teria direcionado seus investimentos para a malha da E.F. Leopoldina, e de cara o ramal de Caratinga, a linha da antiga E.F. Melhoramentos, a ligação São Bento x Ambai, o trecho de Duque de Caxias, estariam todos funcionando em bitola métrica. As ligações aos portos de Sepetiba seriam todas em bitola métrica. Provavelmente o Brasil seguiria na mesma direção que Estados Unidos e Inglaterra, padronizando sua bitola, mas no nosso caso em métrica.

Trem da EF Leopoldina em Três Rios. Fonte: Marcelo Lordeiro/Guido Motta via Site O Trem Expresso

Tendo dinheiro para investimentos, linhas como as de Cantagalo e Petrópolis não seriam extintas. Talvez a própria ESFOM, chegando à Angra dos Reis e ao interior de Goiás, estivesse funcionando em sua plenitude.

Mas, por conta disso, politicamente as pessoas da E.F.C.B. perderiam poder, passando a RFFSA a ser dirigida pelos egressos da E.F. Leopoldina, e não como foi, pelos egressos da E.F.C.B.

A Guerra das Bitolas teria outro lado vencedor, um lado melhor, acreditamos nisso.

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O que começou com uma picuinha entre empregados de uma empresa bem no início da década de 1960, com a criação da RFFSA, evoluiu e acabou se transformando na Ferrovia do Aço, um dos piores e mais lesivos projetos já efetivados pelo governo brasileiro. Uma obra faraônica que contemplava o transporte de apenas um produto, que afundou a economia brasileira naquele período, que gerou custos impagáveis na ocasião, obra considerada um desastre por economistas de todos os espectros políticos, uma unanimidade.

Com esses 72 kms sendo feitos, nossa realidade nos transportes ferroviários teria sido totalmente diferente. Talvez até não estaríamos hoje reféns do transporte rodoviário como estamos. Diversas cidades mineiras, servidas pelas linhas extintas da E.F. Leopoldina, poderiam ter tido um desenvolvimento econômico bem diferente do que tiveram.

Que aqueles que se dedicam a estudar o tema reflitam sobre todo o exposto aqui. A Guerra das Bitolas é ou omitida, ou subestimada, e sua compreensão é fundamental para entender o que houve com as ferrovias no Brasil.

Tudo pode ter começado por picuinha de empregados, que evoluiu para ganância, e que ganância!

Em nossos artigos, tentamos mostrar fatos, e aqui estamos fazendo divagações, mas essas divagações são bem plausíveis.

Que cada um tire suas próprias conclusões sobre as possibilidades que estamos levantando.

A Guerra das Bitolas foi isso: mesquinharia, ganância, picuinha, sede de poder, um dramalhão mexicano, mas que gerou inúmeros prejuízos para o Brasil. Lamentavelmente, praticamente apenas nós da AFTR falamos sobre o tema. Esperamos que pessoas ligadas ao setor, pesquisadores, ativistas, mas com maturidade e sem empolgação, se debrucem sobre o tema. Assim, esperamos não ter teses de mestrado esdrúxulas falando que ficamos reféns da bitola métrica, como ocorreu e ainda ocorre.

Aos interessados nos aspectos históricos mais profundos das linhas citadas, recomendamos o site “Estações Ferroviárias do Brasil“, de Ralph Mennucci Giesbrecht.

Abaixo, publicamos o depoimento de um morador local sobre a construção do ramal, retirado do referido site:

“Posso te adiantar que a estação primitiva da Leopoldina foi demolida no início da dieselização. A então RFFSA construiu um novo pátio e uma nova estação, com estilo arquitetônico da época (início dos anos 1960) em outro local, afastado do centro da cidade. Hoje, tudo está abandonado e sem trilhos. O curioso foi constatar que, em algum momento, a Rede iniciou as obras de construção de uma linha que ligaria Dom Silvério a Nova Era, para encontrar a E. F. Vitória-Minas. Este projeto nunca foi concluído, porém, muita grana foi jogada fora com obras hoje abandonadas: viadutos, pontes, túneis, aterros e cortes numa extensão de uns 10 km. A preparação do leito teria chegado até Nova Era, o que aumentou o desperdício. Está tudo lá, já esquecido. O único vestígio da Leopoldina que vi em Dom Silvério é a linda ponte na entrada da cidade.” – Gutierrez L. Coelho, 06/2004

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Autor

  • Mozart Rosa

    Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966, que testemunhou o desmonte da E.F. Cantagalo e diversas histórias da Ferrovia de Petrópolis. Se formou Engenheiro Mecânico pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral Trilhos do Rio no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de redator do site, assessor de contatos corporativos e diretor-técnico.

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